Cresce a escalada da violência em Paris. Uma multidão sobe a Rue St. Jacques, disposta a retomar a Sorbonne ocupada por policiais. Rodolfo e Mimi não viveram para ver a cena: La Rouge, Alain Geismar (secretário do Snesup) e Jaques Sauvageot (vice-presidente da Unef) lideram mais uma baderna no Quartier Latin.
As primeiras barricadas aparecem. Um poderoso efetivo da tropa de choque impede-lhes a passagem. A batalha começa. De um lado, rapazes e moças jogam nos policiais paralelepípedos arrancados das ruas. Estes respondem com granadas de gás lacrimogêneo. A vanguarda dos estudantes é formada por rapagões, a cabeça protegida por capacetes de moto. As moças repõem a munição, com paralelepípedos e pedras. Durante a batalha, que durou quase duas horas, 350 policiais foram feridos, a maioria com fraturas. Os estudantes se aperfeiçoam: protegem os olhos com óculos de mergulhadores e bicarbonato de sódio, como antídoto contra o gás. Rádios portáteis transmitem-lhes ordens da liderança. É o prenúncio das barricadas que deixariam Paris em chamas nas noites de 10 e 24 de maio.
Naquela altura, a cobertura do incidente pela Imprensa (eram mais de mil repórteres, a maioria pega de surpresa) foi realizada apenas por emissoras periféricas, com transmissores localizados em Luxemburgo ou em Monte Carlo, e com unidades móveis em Paris. Com o silêncio da Office de la Radio Télévison Française, (ORTF, estatal), os franceses só ficaram sabendo da situação “por fora”. Censura? O constrangimento foi tanto que, envergonhados e revoltados, seus funcionários se declararam em greve geral em prol da liberdade de informação.
Um dos 1.434 correspondentes da rebelião é o jornalista Flávio Alcaraz Gomes, que escreveu A Rebelião dos Jovens (editora Globo, esgotado) sobre os incidentes de maio em Paris. Enviado à Cidade-Luz para cobrir uma conferência diplomática, se viu no meio de uma guerra civil. Como testemunha ocular, ele pôde descrever, com riqueza de detalhes, o que aconteceu durante a balbúrdia estudantil de 1968:
“Acabei de despachar pelo teletipo meu serviço para o Correio do Povo e volto ao Boulevard St. Michel, foco da rebelião. Uma multidão de jovens está entrincheirada em pelo menos 20 barricadas, de onde grita insultos contra o governo. 'De Gaulle assassino’ é a frase repetida em uníssono. A Polícia se decide: é preciso 'limpar' o quartier antes de o dia nascer. 2h50min. A polícia ataca. Parece uma carga de infantes medievais. A primeira barricada, na metade da avenida, cai com pouca resistência. As próximas ao Jardim de Luxembourg, porém, parecem inexpugnáveis. Quando as tropas se aproximam, são recebidos com uma saraivada de pedras e por dezenas de automóveis incendiados, jogados lomba abaixo. Gente chora, devido ao gás e às pancadas. Sirenes rasgam a noite. Fogueiras por toda parte. Moços e moças bradam desesperados por socorro - e a guerra prossegue até às 6h da primeira manhã em que Paris esteve em chamas”.
A Paris dos amantes agora arranca paralelepípedos das ruas e enche os muros de dizeres: Soyez solidaires et non solitaires! (Sejam solidários, e não solitários!); Même si Dieu existait il faudrait le supprimer (Mesmo se Deus existisse, seria preciso suprimi-lo); À bas les journalistes e ceux qui veulent les ménager (Abaixo os jornalistas e aqueles que querem manejá-los); Les syndicats sont des bordels (Os sindicatos são bordéis); La liberté est le crime qui contient tous les crimes (A liberdade é o crime que encerra todos os crimes); Ceux qui font les révolutions à moitié ne font que se creuser un tombeau (Aqueles que fazem as revoluções pela metade nada mais fazem do que cavar seu túmulo); E, destacando-se das demais, a que ficou como marca registrada: Défense d`interdire! (É proibido proibir)."
Fonte:
Marcelo Xavier - site Sandino (30.09.2005)
8 de Janeiro: Na universidade de Nanterre, arredores de Paris, o ministro da Juventude e Desportos, François Missoffe, é vaiado pelos estudantes.
20 de Março: É atacada por manifestantes em Paris uma agência do American Express, como protesto contra a guerra do Vietname.
22 de Março: Nanterre: estudantes ocupam um edifício administrativo e é criado o movimento 22 de Março, encabeçado por Daniel Cohn-Bendit que viria a ser um dos mais activos da revolta.
2 de Maio: Novos incidentes entre os estudantes e a polícia em Nanterre, sendo encerrada a Faculdade de Letras.
3 de Maio: No pátio da Sorbonne há uma reunião de estudantes e estes exigem o acesso aos anfiteatros. O reitor, quebrando uma regra secular, chama a polícia para entrar nas instalações universitárias. A polícia acaba por entrar nas instalações e são detidos vários alunos. Muitos outros jovens são detidos nessa noite em manifestações no Quartier Latin. A Universidade é ocupada pela polícia.
4 de Maio: Daniel Cohn-Bendit, Jacques Sauvegeot (vice-presidente da União Nacional dos Estudantes Franceses) e Alain Geismar (secretário do Sindicato do Ensino Superior) tornam-se os rostos mais conhecidos da contestação dos estudantes.
6 de Maio: Realizam-se novas manifestações no Quartier Latin e são erguidas barricadas. Confrontos entre a polícia e manifestantes. Há 400 detenções e cerca de 500 feridos.
7 de Maio: Uma manifestação que reúne milhares de estudantes acaba em novos confrontos com a polícia.
8 de Maio: O Ministro da Educação, Alain Peyrefitte, anuncia no Parlamento que a Sorbonne e a Universidade de Nanterre poderão reabrir. Realizam-se novas manifestações estudantis.
10 de Maio: Manifestações diante da prisão de La Santé. A polícia bloqueia as pontes do rio Sena. Os estudantes ocupam o Quartier Latin e fazem barricadas. Seguem-se os confrontos que se prolongam pela madrugada e seriam os mais violentos desde o início desta crise. Os estudantes tiram as pedras da calçada para atacar as forças policiais.
11 de Maio: As principais confederações sindicais convocam uma greve geral para dia
13 de Maio. O primeiro-ministro, Georges Pompidou, interrompe a visita que estava a fazer ao Afeganistão e no regresso anunciou a reabertura da Sorbonne no dia 13.
13 de Maio: A Sorbonne é reaberta e ocupada pelos estudantes. No Festival de cinema de Cannes as projecções são suspensas. Há manifestações por toda a França. A greve geral afecta todo o país.
15 de Maio: Os operários da Renault decretam uma greve e ocupam as instalações da fábrica em Cléon.
16 de Maio: O movimento grevista alastrou a mais de 50 empresas. A sede da Academia Francesa é ocupada.
19 de Maio: A emissão da ORTF (televisão) passa a ser controlada pelos jornalistas e técnicos.
20 de Maio: Ocupação do porto de Marselha pelos trabalhadores. As centrais eléctricas e de telefones estão bloqueadas.
21 de Maio: A greve envolve já cerca de 07 milhões de trabalhadores. O filósofo e escritor Jean-Paul Sartre (que recusara o Nobel da Literatura em 1964) fala aos estudantes na Sorbonne. Os teatros de Paris estão ocupados.
22 de Maio: Na Assembleia Nacional é derrotada uma moção de censura apresentada contra o Governo. As autoridades retiram a Daniel Cohn-Bendit, que tem nacionalidade alemã, a licença de permanência em França.
27 de Maio: Governo, sindicatos e patrões assinam um acordo que prevê o aumento do salário mínimo, redução do horário de trabalho e diminuição da idade da reforma.
28 de Maio: Demissão do ministro da Educação, Alain Peyrefitte.
30 de Maio: O General De Gaulle anuncia a dissolução do Parlamento, recusa demitir-se e convoca eleições antecipadas para Junho. Ao mesmo tempo adia o referendo que anunciara dia antes.
31 de Maio: De Gaulle remodela o governo e realizam-se manifestações de apoio ao general. Junho: a maioria governamental alcança vitória esmagadora.