Ontem fez 60 anos do Golpe Militar de 1964. Iniciou no dia anterior, mas se consolidou no dia seguinte. Justo o Dia da Mentira, pois o destino é irônico, mas não cínico, como o foram os golpistas de antanho. Uma data para ser esquecida, mas que alguns ainda celebram, por isso escrevo sobre ela hoje, a fim de lhe dar a devida, merecida e necessária condenação.
Com a desculpa do anticomunismo e a partir de um nacionalismo fajuto e interesseiro, o que na verdade se desejava era impedir as reformas de base que o presidente João Goulart prometera 18 dias antes, no comício da Central do Brasil, principalmente as reformas agrária e financeira. Assim, foi, de fato, um golpe civil e militar, atendendo aos interesses das classes empresariais urbanas e rurais. Para isso, interromperam a democracia parlamentar e representativa, instalando um regime autoritário militar, mesmo que não totalitário - nem todo o regime que mata e tortura é um regime autoritário totalitário.
No caso da reforma agrária, é a mesma que o imperador Dom Pedro I e os irmãos Bonifácio desejavam colocar na Constituição de 1824, 200 anos anos atrás (ver texto Os 200 anos da primeira constituição brasileira), junto com a abolição da escravatura. Essa seria feita somente em 1888, custando o fim do Império com a Proclamação da República no ano seguinte, mas a reforma agrária nunca. E vejam que é uma reforma liberal, não uma revolução, EUA e Japão já a fizeram. Só que o Brasil, desde o Período Imperial, já era economicamente reacionário ante as reformas liberais que afetassem determinados setores. Em nosso país, as reformas liberais só afetam o povo assalariado, nunca o andar de cima, patronal. Minto: no tempo de Getúlio Vargas, pela força, isso aconteceu, mas não esqueçamos que Vargas teve de se suicidar no final.
Faço esse breve retrospecto para ressaltar um pouco do significado do Golpe de 64 na História do Brasil. Assim, essa medonha intentona golpista que vimos em 2022 e que teve seu infame arremedo em 8 de janeiro do ano passado, patrocinada pelo governo anterior - após ser derrotado nas urnas - e devidamente desvendada pela Policia Federal e pelo Judiciário, mostra que o 1º de Abril de 1964 ainda é um golpe em que muita gente cai, uma mentira que ainda encontra bocas que a repetem e ouvidos que nela acreditam, ou seja, povo que desconhece sua história está condenado a repeti-la, como escreveu o pensador. A História, há 200 anos, o revela. Inclusive tentaram embasar o golpe atribuindo um falso poder moderador das Forças Armadas sobre os três poderes constituídos, para tal cometendo uma interpretação sofista do Artigo 142 da Constituição. Na Constituição de 1824, Dom Pedro institui o Poder Moderador para si, de forma autoritária, e, isso, obviamente, os golpistas de 2022 tentaram copiar.
Um último ponto a destacar é que foi justamente a posição de setores militares, liderados pelos ministros do Exército, general Marco Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Batista Júnior, que brecaram o golpe de 2022 e defenderam o Estado Democrático de Direito e a Constituição Federal. Em 1961 o mesmo aconteceu, quando o comandante do III Exército, general José Machado Lopes, impediu o golpe e garantiu a posse de João Goulart, então vice presidente, como determinava o rito constitucional, dada a renúncia de Jânio Quadros. Antes, em 1955, o marechal Teixeira Lott igualmente garantiu a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek. Em 1964, não podemos esquecer, vários militares foram presos, torturados e mortos por discordarem do golpe.
Assim, é contra o cinismo dos que tentam brecar a democracia à revelia da Constituição que devemos dizer, hoje e sempre: Ditadura e tortura (e morte) nunca mais! Abaixo golpes e golpistas! Viva a democracia! Civis e militares unidos em defesa da Constituição!