Hoje comemoramos os exatos 200 anos da Constituição Imperial de 1824, a primeira do Brasil, outorgada em 25 de março daquele ano pelo imperador Dom Pedro I. Claro, tem uma historia anterior que nela desemboca...
Em 9 de janeiro de 1822, tivemos do Dia do Fico, no qual o então Príncipe Regente não acatou a determinação da Corte de Lisboa para voltar à Portugal. Aqui, de fato, inicia a história da Independência e, por conseguinte, da Constituição de 1824. Sim, porque antes mesmo do Grito do Ipiranga em 7 de setembro de 1822, mais precisamente no dia 3 de junho de 1822, Dom Pedro chamou a realização de uma eleição para a Assembleia Constituinte, que seria composta por 100 deputados que representariam as 19 províncias, que se daria pelo voto censitário (dos que possuíssem determinada renda) de cidadãos livres do sexo masculino.
Bem, após o 7 de Setembro, a Aclamação do imperador em 12 de outubro e a Coroação em 1º de dezembro, tudo em 1822, em 3 de maio de 1823 seria instaurada a Assembleia Constituinte. Basicamente, três grupos se formaram: portugueses e brasileiros absolutistas, os liberais federalistas e o grupo liderado por José Bonifácio e seus irmãos. Os primeiros, defendiam uma monarquia absoluta e centralizada; os segundos, uma monarquia figurativa, descentralizada e federal; já os "bonifácios", cujas ideias possuíam a simpatia do imperador, propunham uma monarquia forte, constitucional e centralizada, além do fim da escravidão e uma reforma agrária - itens com os quais os primeiros grupos discordavam. Não podemos esquecer que 90% da população não possuía representação na Constituinte, sendo que as classes produtoras agrárias a monopolizavam. E sim, o imperador, tal como o presidente deposto João Goulart 140 anos mais tarde, defendia a reforma agrária.
Inicialmente a Constituinte reuniu 84 deputados de 14 províncias, eis que algumas ainda estavam envolvidas em conflitos que questionavam a Independência. Em 1º de setembro de 1823, o relator Antônio Carlos de Andrada, irmão de José Bonifácio, apresentou o primeiro projeto de Constituição, contendo 272 artigos a serem votados, ficando de fora a escravidão e a reforma agrária. Esse projeto ficou conhecido como a Constituição da Mandioca, eis que num de seus artigos definia o voto censitário baseado na renda que o cidadão possuísse, correspondente ao valor de uma determinada quantidade de alqueires de mandioca.
O andamento dos trabalhos desagradou a Dom Pedro I, pois os mesmos, por diversos motivos que não vem ao caso mencionar por questão de espaço, enfraqueciam seu poder e tomavam uma feição excludente aos cidadãos portugueses de nascimento, como ele próprio. Aproveitando um episódio ocorrido em 5 de novembro e conhecido como a Noite das Garrafas - onde um boticário foi agredido por dois oficiais militares, portugueses de nascimento, em virtude de ser confundido com o autor de um agressivo artigo de jornal contrário aos lusitanos, o que gerou tumultos pelo Rio de Janeiro -, mandou o exército cercar a Assembleia Constituinte e a dissolveu em 12 de novembro de 1823, o que selaria o fim de qualquer possibilidade de a primeira constituição brasileira se dar de forma promulgada por uma constituinte.
Dom Pedro I constituiu então um grupo de dez juristas que, partindo do projeto de Andrada, elaborou um texto constitucional com 179 artigos. A reforma agrária e o fim da escravidão continuaram de fora, mas, em compensação, seu caráter liberal foi mais abrangente que o projeto anterior, visto que naquela haviam apenas seis artigos tratando dos direitos invioláveis do cidadão, enquanto a nova trazia trinta e quatro, dentre eles, por exemplo, a liberdade de culto, mesmo estabelecendo o catolicismo como religião oficial. Por um lado, ela fortalecia o poder monárquico, criando o Poder Moderador (centrado no Imperador), que se sobrepunha ao Executivo, Legislativo e Judiciário, possuindo poderes de nomeação, destituição, dissolvição, convocação, aprovação e suspenção sobre estes; por outro lado, Dom Pedro I foi o primeiro monarca no mundo a defender e outorgar uma constituição que estabelecia a divisão entre os poderes, algo ferrenhamente combatido pela realeza da época, que visava manter inalterados seus poderes e privilégios.
E assim foi outorgada por Dom Pedro I a Constituição do Brasil de 1824. Ela foi a que mais durou, 65 anos, até a Proclamação da República, em 1889. A segunda mais longeva é a seguinte, promulgada em 1891 e que durou 33 anos, até 1934, já no período posterior à Revolução de 1930. A terceira mais longeva é a vigente Constituição Cidadã, promulgada em 1988, com 36 anos.
Essa menção à Constituição Imperial de 1824 em seus 200 anos é salutar para que não esqueçamos que a liberdade, os direitos dos cidadãos, a democracia representativa, a independência entre poderes e o Estado Democrático de Direito são conquistas históricas do mundo e do Brasil a serem defendidas, sempre. Principalmente agora, quando vemos que estas conquistas correram risco por uma tentativa de golpe militar que morreu na caserna, frustrada pelos próprios ministros militares, que defenderam a Constituição de 1988 ante as pretensões inconstitucionais do ex-presidente da República.
Uma boa semana de Páscoa para todos. Cuidem-se, vacinem-se, defendam a democracia, vivam e fiquem com Deus.