João Adolfo Guerreiro
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É bem provável que você conheça esse homem

 

Há 120 anos, o senhor da foto acima comprou sua primeira máquina fotográfica. Em 1903, a realidade do mundo do trabalho ainda era a terra sem lei e sem piedade da industrialização já consolidada, herança do século XIX. Suas fotografias ajudaram a mudar tal quadro, mas o levaram à miséria ao final da vida. Sociólogo de formação, Lewis Hine era o seu nome e é bem provável que tu o conheças por meio de uma de suas imagens, das mais icônicas e representativas da natureza do século XX (veja-a ao final do texto).

 

Nascido em 1874 nos Estados Unidos, órfão de pai bem cedo, Lewis teve de trabalhar para custear seus estudos universitários. Isso com certeza formou sua visão de mundo, levando-o a dedicar seu trabalho profissional à denúncia da barbárie do capitalismo sem freios morais, éticos ou humanistas em seu país, explorando a todos, inclusive as crianças. Essa, aliás, foi a grande contribuição de sua vida: fazer com que leis que impedissem a exploração abjeta de crianças em trabalhos penosos, perigosos e insalubres à soldos miseráveis, fossem aprovadas em seus país. A divulgação de suas imagens nas universidades, em livros e jornais foi fundamental para abrir os olhos dos estadunidenses, tanto da classe política quanto da população.

 

Procure essas imagens na internet, pois elas não cabem aqui, mas você deve vê-las. Ao fim desse artigo coloquei três delas, da menina de 12 anos Cora Lee Griffin (12.07.1896 - 03.06.1985) trabalhando numa fábrica de algodão em 22 de dezembro de 1908, que achei bem expressivas, embora não sejam das que causem mais impacto em relação à exploração infantil. Anotou Lewis sobre a primeira foto: "Um dos rotadores da Whitnel Cotton Mfg. Co., N.C. Ela tinha 51 centímetros de altura. Estava no moinho há 1 ano. Alguns dias à noite. Corre 4 lados, 48 centavos por dia. Quando questionada sobre a idade, ela hesitou e disse: 'Não me lembro'. Depois, confidencialmente: 'Não tenho idade para trabalhar, mas faço o mesmo'. De 50 funcionários, dez são do seu tamanho" - (Manhãs na Maple Street).

 

Claro que todos os que lutaram pela dignidade e direitos da classe trabalhadora, desafiando os interesses do capital, pagaram um preço nesse mundo e com Lewis não foi diferente. Um dos maiores, o pensador alemão Karl Marx, também não teve uma vida financeira fácil, sempre foi um exilado pobre, o que não o impediu de dar a maior contribuição teórica para elucidar os mecanismos perversos da sociedade capitalista, além de desvendar o seu funcionamento mais íntimo e invisível. Gênio, teria sido um rico professor universitário de seu tempo, não fosse sua coerência de vida em relação a sua teoria. Hine, ao final da vida, nos anos 1930, tinha dificuldade de vender suas fotografias, pois já estava marcado na paleta. Mesmo com seu trabalho reconhecido por seus pares fotógrafos, as dificuldades materiais o derrubaram. Ficou viúvo em 1939 e, em 1940, perdeu sua casa e teve de solicitar cadastro na assistência social, mesmo ano em que faleceu, aos 66 anos, após uma operação. Dinheiro atrai dinheiro, miséria atrai miséria, eis uma das leis infames desse mundo e que intimida muita gente.

 

Lewis perdeu seu corpo, mas não perdeu sua alma, saindo mal do plano físico, mas entrando altivamente para a história. Hoje, a maioria dos pensadores se acomoda na zona de conforto de suas posições nas universidades públicas ou privadas, em seus empregos na iniciativa privada ou seus concursos públicos. Tudo ok, todos tem de viver de boa e na estabilidade, sem sobressaltos financeiros e isso é certo e bom. Entretanto, vendo exemplos como o de Hines, devem constatar que a alma vale mais do que o corpo e, assim, escolherem quais causas estarão à serviço.

 

Lewis Hines ajudou a tornar o mundo do trabalho humano. Atualmente, vemos o recrudescimento de ideologias de extrema-direita ultraliberais, que retiram muitos dos avanços obtidos no século passado pelos assalariados, num claro retrocesso. E, diferente do tempo de Hines, hoje até a necessidade do trabalho humano no processo produtivo está em jogo (O trabalhador continuará existindo?). Fotógrafo do capitalismo já consolidado, em 1931 foi contratado para o trabalho que, se não foi aquele que lhe proporcionou mudar a vida das pessoas (como as fotos do trabalho infantil), com certeza é o mais conhecido de todos: registrar a construção do Empire State Buinding, em New York, então o edifício mais alto do mundo.

 

A foto abaixo, dos trabalhadores lanchando sentados sobre uma viga de ferro, a impressionantes 250 metros do chão, é uma das imagens reveladoras do que foi o século XX, sob todos os referenciais filosóficos, históricos e sociológicos em que pode ser analisada. Lembrou de já ter visto essa foto por aí? Então você conhece Hine.

 

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 08/05/2023
Alterado em 08/05/2023
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