João Adolfo Guerreiro
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Textos

O poemeto do "charqueadense" e os chimangos

 

O senador, jornalista, empresário, escritor e médico Ramiro Fortes de Barcellos (1851 - 1916), embora tenha nascido em Cachoeira do Sul, é praticamente um charqueadense, cidade onde nomeia rua, escola e CTG. Tanto reconhecimento se deve a, em 1906, ter sido proprietário da Charqueada Meridional, a última e a mais moderna a ser instalada no município durante o ciclo econômico da produção do charque bovino - fato que frequentemente é ignorado nos textos biográficos sobre Barcellos na internet. Consta que nela residiu por algum tempo, no Solar dos Barcellos, imponente construção situada às margens do Rio Jacuí, próxima da confluência deste com o Arroio dos Ratos, onde hoje está o bairro Colônia Penal.

 

Como sou justamente nascido neste bairro, de parteira, conhecia bem a construção, demolida nos anos 1980. Para nós, era o "Casarão" onde brincávamos; para os "charqueadenses", era o "Casarão da Colônia" (só achei as fotos acima, respectivamente dos fundos e da frente - escadaria - do prédio, tiradas da página 29 do livro Por que Charqueadas?, de Benedito Veit). Uma lástima não ter sido preservado, assim como o prédio do Cinema de Charqueadas - esse, inclusive, com tombamento previsto no Art 5º das Disposições transitórias da Lei Orgânica, o que de nada adiantou.

 

Mas tá bom, o que que o senador Ramiro Barcellos tem a ver com os chimangos? E quem eram os chimangos? E o poemeto?

 

Bom, inicialmente devemos retornar um pouco no tempo. Quando o ex-presidente da República, general Hermes da Fonseca (1855 - 1923), gaúcho de São Gabriel e sobrinho do marechal e ex-presidente Deodoro da Fonseca (1827 - 1892), deixou a presidência em 1914, pleiteou uma vaga de senador no Rio Grande do Sul pelo Partido Republicano Riograndense (PRR), indicado pelo senador gaúcho José Gomes Pinheiro Machado (1851 - 1915), o que foi avalizado pelo líder do partido e presidente do Estado - cargo que correspondia ao de governador - Antônio Augusto Borges de Medeiros (1863 - 1961), herdeiro politico do idealizador do PRR, o jornalista e ideólogo positivista Júlio de Castilhos (1860 - 1903). Acontece que o senador Ramiro Barcellos também desejava a vaga e, preterido, ficou muito contrariado por N motivos politicos que não vem ao caso contar nesse texto. Seu ressentimento se voltou principalmente contra Borges de Medeiros, sobre o qual escreveu um clássico da literatura gaúcha...

 

Sob o pseudônimo de Amaro Juvenal, publicou em 1915 o livro Antônio Chimango: Poemeto campestre, uma vigorosa e contundente sátira política em linguagem popular campeira achincalhando Borges de Medeiros. Algumas partes: "Para les contar a vida / Saco da mala o bandônio, / A vida de um tal Antônio / Chimango - por sobrenome, / Magro como lobisome, / Mesquinho como o demônio" - (1999, p. 26). "Virabosta é preguiçoso, / Mas velhaco passarinho; / Pra não fazer o seu ninho, / Se apossa do ninho alheio; / Este há de, segundo creio, / Seguir o mesmo caminho" - (p. 31). "Este, pois, que aqui se vê / C'um jeitinho de raposa / Parece um Mané de Souza, / Mas, isto é só na aparência; / Inda há de ter excelência, / Inda há de ser grande cousa" - (p.33). Borges, claro, ficou puto da cara e tentou, em vão, impedir a circulação do livro. O apelido depreciativo - chimango era uma ave pequena que comia até bicho morto - pegou e rendeu frutos pelos anos vindouros...

 

Em 1923, Borges de Medeiros, desde 1898 no poder, assumiu pela quinta vez o mandato de presidente estadual, contrariando principalmente o candidato derrotado, Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857 - 1938), que se rebelou alegando fraude nas eleições, ocasiononando a Revolução de 1923, que duraria de janeiro à dezembro daquele ano e cujo centenário comemoramos (?) agora em 2023 - foi a última das revoltas gaúchas, após a Farroupilha (1835 - 1845) e a Federalista "da Degola" (1893 - 1895). No embate, os partidários de Borges de Medeiros foram chamados de... Sim, de chimangos, eh eh eh eh eh! Usavam um lenço branco no pescoço e combatiam os maragatos, defensores de Assis Brasil, que usavam lenços vermelhos. Cerca de mil homens pereceram nos combates até a assinatura, em 14 de dezembro, do Pacto de Pedra Altas, que pôs fim aos conflitos mediante o acordo de Borges de Medeiros não mais se candidatar à presidencia do Estado.

 

O livro de Ramiro Barcellos foi um dos textos debatidos na mesa redonda sobre os 100 anos da Revolução de 1923, realizada pela Casa de Cultura Juarez Teixeira em Caçapava do Sul, não por acaso em 25 de janeiro passado, dia e mês da posse de Borges de Medeiros em 1923. É curioso ressaltar essa data pois, coincidentemente, foi num dia 29 de janeiro que Barcellos faleceu e igualmente num 29 de janeiro que o CTG Ramiro Barcellos, em Charqueadas, veio abaixo após um temporal, em 2016, logo, exatamente no dia do centenário de sua morte. São todas, vê-se, datas exatas ou mui próximas.

 

Mesmo que Barcellos tenha morrido seis anos antes da eclosão da Revolução de 1923, sua literatura figura entre os textos importantes a serem lidos e debatidos nesta efeméride. E, atente-se para o fato, não deixa de ser, em certa medida, a obra de um literato "charqueadense". Hoje, o Casarão da Colônia, se restaurado, seria um importante prédio histórico a serviço da memória e da cultura das charqueadas, de Charqueadas e do Rio Grande do Sul, se nosso povo e nossas lideranças tivessem o tino e a ação de preservar e não o de demolir sua história.

 

 

Leia mais: Ramiro Barcellos, charqueador

 

Referências:

JUVENAL, Amaro. Antônio Chimango: poemeto campestre. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1999

PIRES, Saldino A. Charqueadas: sua origem, sua história, sua gente. Charqueadas: Folha Mineira, 1986.
PIRES, Saldino A. Histórias do povo de Charqueadas: um patrimônio ainda desconhecido. Charqueadas: Naiberte (Barra do Ribeiro), 2012.

TEIXEIRA, Paulo César. O centenário da última guerra civil do Rio Grande. Almanaque Gaúcho, jornal Zero Hora, pagina 36, 24 jan 2023
VEIT, Benedito. Por que Charqueadas? São Jerônimo: Gráfica PBS, 2008.

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 27/01/2023
Alterado em 29/01/2023
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