João Adolfo Guerreiro
Descobrindo a verdade/ sem medo de viver/ A liberdade de escolha/ é a fé que faz crescer.
Capa Meu Diário Textos Áudios Fotos Perfil Livros à Venda Livro de Visitas Contato Links
Textos
O que Charqueadas quer ser e para onde ela quer ir?

Digitei "Charqueadas" no Google e a primeira imagem que apareceu foi essa, uma vista aérea da cidade, com o Jacuí ao lado. Sintomático: o rio fez a cidade. Mas a cidade está de costas para o rio. Estará de costas para o seu próprio futuro também? O rio, além de metáfora, é, de fato, parte do futuro da cidade?

1 - Pobre eleição, eleição pobre. As eleições municipais que iniciam dia 16 deste mês estão, para a conjuntura política, como um peixe fora d'água. No momento, a questão nacional e as decisões de Brasília contam mais do que tudo para a vida concreta das pessoas. As reformas da Previdência e da CLT vão alterar a relação das pessoas com o mundo de uma forma em que as cidades não têm como intervir: a regulação da vida econômica dos indivíduos, ligada ao mundo do trabalho.

Isso é mais agudo ainda nas cidades pequenas e médias, sem importância política, por estarem "longe demais das capitais", como diz a canção. Já nas capitais, o resultado das eleições municipais desse ano ainda pode ter alguma influência sobre o cenário nacional, balizando tendências de votação no Congresso Nacional.

Mas, mesmo assim, vai ser o momento das cidades decidirem o que querem ser e pra onde querem ir. E a população de Charqueadas, como vai responder a essa pergunta dia 2 de outubro?


2 - Será uma eleição atípica. Em primeiro lugar, a proibição das doações empresariais fará com que a mesma seja realmente uma "eleição pobre". Em segundo lugar, desde 2008, quando Davi Gilmar foi eleito prefeito numa disputa com Anápio Ferreira e Dega Tassoni, não tínhamos três candidaturas a prefeito. E, em terceiro lugar, nenhum dos candidatos apresentados é uma liderança política consolidada na cidade, todos procuram dar um salto de qualidade em sua persona pública: José Abrahão, Simon Souza e Ricardo Vargas nunca foram eleitos para o cargo que ora postulam (Abrahão já foi vice - 1997/2000 - e Simon já disputou eleição para vice-prefeito - 2008). Assim, seja qual for o resultado, uma nova liderança política despontará na cidade. Com a morte de José Manoel e de Aldo Moreira e com Jaime Guedes, Davi Gilmar e Anápio Ferreira fora da disputa, essa oportunidade se abriu.

Entretanto, uma questão anterior à principal se coloca como pressuposto: estamos diante de uma disputa de projetos ou de poder? Os candidatos e as coligações que os sustentam tem projetos distintos para a cidade ou é apenas um jogo de poder intestino circunscrito à classe política local, disputando, aos tapas, os espaços do Legislativo e do Executivo? Essa resposta, ao contrário da anterior, não será dada pelo povo nas urnas dia 2 de outubro, mas sim pela classe política durante a eleição, entre os dias 16 de agosto e 1º de outubro. E a forma de disputa em uma eleição fala muito sobre como será o governo de uma cidade.

Se a resposta da classe política for "disputa de poder", a população não terá como responder; se a resposta for "disputa de projetos", daí sim. Pois atentem para o fato de que uma disputa de projetos é também uma disputa de poder, contudo uma mera disputa de poder não necessita embasar-se em projetos distintos. Pode até, inclusive, se dar sem projeto algum. Por exemplo: alguém aí se lembra de alguma proposta do governador José Ivo Sartori? E ele deixou de se eleger por causa disso? Fatos são fatos, não briguemos com eles para não ficarmos cegos à realidade acerca de como as coisas são e de como elas se dão.


3 - O que Charqueadas é? Basicamente, um núcleo populacional que se formou ao lado de um rio. E esse detalhe é importante, pois esse fato geográfico determinou em muito o desenvolvimento econômico da cidade, sendo fator decisivo para a instalação de muitas atividades aqui, desde o ciclo do charque, que a nomeia.

O que Charqueadas quer ser? Ah, essa pergunta exige muito de quem postula a condução do Executivo Municipal, a pessoa tem de estar preparada para respondê-la. Não só o quadro administrativo de um município desse porte já é algo complexo, mas também a conjuntura político-econômica regional, estadual, nacional, continental e mundial nas quais ela está inserida. E é aí que a porca torce o rabo ou a vaca vai para o brejo: administrar uma cidade não é para amadores ou para políticos e partidos sem visão estratégica e capacidade técnica e política para elaborar projetos e captar recursos estaduais e, principalmente, federais. Nesse caso, quem vai para a chuva é para se molhar sem ficar gripado.

Nem penso em, num artigo, responder a essa pergunta! Isso, ademais, cabe aos candidatos e suas coligações. Todavia, pitacos todo o cidadão eleitor e contribuinte pode dar. Inclusive eu.


A situação de 2012, quando da inédita e estrondosa reeleição do atual prefeito Davi Gilmar, não mais existe. Nesse caso, a vaca foi para o brejo chamado Operação Lava Jato. A vinda do pólo naval, grande motivo para a reeleição consagradora do prefeito, foi atingida em cheio pelas disputas políticas nacionais e pelo ocaso das empreiteiras investigadas por corrupção pela Justiça Federal. O pólo se foi, inclusive caloteando os empresários e trabalhadores locais. Pior: frustrou toda uma expectativa de crescimento.


O prefeito agiu certo quando trabalhou para a instalação da Iesa na cidade e as urnas reconheceram isso. Mas isso agora é passado. Presente é a dívida do projeto Cura com São Jerônimo. Quem estiver sentado no gabinete situado no segundo piso da prefeitura em 2017 vai ter de pensar outras soluções para a cidade, visto que não terá poder algum de alterar a conjuntura nacional que, pelo andar das reformas trabalhistas e previdenciárias do governo interino Temer, pode afetar em muito uma cidade hoje economicamente dependente de uma população composta de assalariados públicos e privados, principalmente para manter os negócios e os empregos nos setores do comércio e de serviços viáveis. Logo, essas soluções não serão somente em termos de desenvolvimento, mas também em termos de qualidade de vida dos cidadãos, algo, aliás, bem mais perto de suas possibilidades.

4 - Quando passo pelo Parcão vejo um coisa muito boa que ali foi feita, ampliando os espaços de interação da comunidade. Hoje, ele é o local nobre da cidade, onde as pessoas têm acesso a equipamentos culturais e de lazer muito importantes para o cotidiano em uma vida urbana. Da mesma forma, quando caminho à noite pelo centro e percebo o andamento das obras no local onde antes estava o CTG Ramiro Barcelos, vejo algo de bom, principalmente pelo projeto que, se totalmente executado, abrirá um espaço público importante de convivência que há muito era necessário.

Daí me pergunto: porque não revitalizar também a orla do rio? Tudo bem, aí já seriam outros quinhentos, até muito mais que meros quinhentos! Entretanto, o Jacuí é nosso maior patrimônio e, com a perspectiva de reativação do transporte fluvial de passageiros à Porto Alegre, esse manancial hídrico bem que poderia ser aproveitado em seu potencial de interação social da comunidade e turístico, pois, se Charqueadas tem algum diferencial em relação a maioria das outras cidades gaúchas, esse diferencial é o rio Jacuí. E isso é, em pequena parte, uma resposta à pergunta sobre o que queremos ser. E é algo que está dentro de nossa capacidade, muito mais do que nos reposicionarmos como possibilidade de localização de investimentos públicos e privados dentro de um novo ciclo de desenvolvimento nacional.

Temos também questões centrais para urbes do mundo contemporâneo como a cultura e a mobilidade urbana. A cultura, em Charqueadas, é hoje uma sombra do seu passado recente. Não existe mecenato de monta do setor público à produção cultural local, mesmo havendo uma Agenda Cultural aprovada em lei. A obra da Casa de Cultura está lá, no Parcão, há 16 anos virando uma lenda urbana. O "Baar Xarqueadas" ainda está sem revitalização à vista, mesmo com a mobilização da comunidade por tal, inclusive como início de uma reocupação da orla pela via cultural. Fiquemos apenas nisso.


Na mobilidade urbana, vemos que a cidade já começa a apresentar os sintomas de possuir uma frota crescente de veículos que satura a capacidade de circulação e estacionamento de suas vias públicas, principalmente no centro e nos cruzamentos da ERS 401. E, como fator agravante, temos a questão das calçadas, intransitáveis na maior parte da cidade, o que leva os pedestres a perigosamente disputar espaço com veículos e ciclistas.


E por falar nos ciclistas, a ciclovia "pede" uma ampliação. É uma bandeira que repercute há tempos no Legislativo, inclusive com propostas de ligar a cidade à São Jerônimo. Creio que esse é o caminho, no futuro. Mais: porque não ampliar a ciclovia em sentido oposto, em direção à Colônia Penal, passando pelo pólo industrial da cidade? E porque não aproveitarmos as experiências de outras cidades brasileiras no tocante a construção de ciclofaixas ligando os diferentes bairros?

E, visando resolver o congestionamento do centro da cidade, porque não pensarmos em ruas abertas apenas para a circulação de pessoas ou, pelo menos, fechadas por determinados período do dia ou da noite para o trânsito de veículos? Muita cidade no mundo tem feito isso, com enorme ganho de qualidade de vida para seus cidadãos.

Poderia escrever mais, abordando saúde, educação e, até mesmo, segurança, mas fico por aqui. Esses setores, por exemplo, já são alvos da preocupação de pessoas bem mais tarimbadas nesses temas.

5 - Devemos pensar no Legislativo ao respondermos a principal questão proposta. Ultimamente a redução do número de parlamentares esteve em pauta, na Câmara de Vereadores. A redução de salários também é um anseio expresso nas redes sociais. Eu discordo dessas duas medidas, entendo-as como equivocadas e, até, danosas para o bom funcionamento do Legislativo e para a representação democrática e cidadã em nossa cidade. Para os interessados, escrevi um artigo sobre o tema (http://www.souzaguerreiro.com/visualizar.php?idt=5408395).

Entretanto, essas propostas trazem em si um descontentamento da população sobre como o poder está sendo exercido pelos vereadores, e isso não pode ser ignorado pela classe política local nessas eleições. Uma medida nesse sentido pode ser uma nova forma de utilização das "diárias". Elas poderiam se dar mediante ressarcimento de despesas. Por um lado, como estamos "ao lado" de Porto Alegre, onde muitas das nossas demandas são tratadas e, por outro, como inclusive temos vereadores que nem utilizaram diárias na legislatura em curso, creio que essa medida é perfeitamente factível.

Temas como o valor do duodécimo recebido pela Câmara, número de funcionários em CC e obras igualmente podem ser alvo de uma avaliação criteriosa no intuito de reduzir custos sem enfraquecer a capacidade de trabalho do poder.


Sobretudo, a população tem de entender que o Legislativo tem uma importância central tanto para as demandas internas da administração e regulação da cidade quanto para pensar e agir pelo seu desenvolvimento. Uma Câmara de Vereadores qualificada, capaz de estabelecer relações regionais, estaduais e nacionais em favor do município é fundamental.


Mas, se a classe política, principalmente os vereadores e vereadoras que serão eleitos não se preocuparem em responder na prática a tais anseios da população, o poder acabará cada vez mais desacreditado e sofrerá um esvaziamento e uma desqualificação através de medidas como a que vimos nos último dois anos, acima citadas.

6 - Para onde Charqueadas quer ir? Respondida a questão principal (o que quer ser) pela população e o pressuposto (poder ou projeto) pela classe política, Charqueadas terá um caminho, um norte, um rumo, consensuados através da discussão democrática ensejada pelas eleições municipais desse ano. Aproveitemos a oportunidade.
 
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 02/08/2016
Alterado em 18/08/2016
Comentários