(Entrevista concedida pelo ex-líder estudantil à agência de notícias France Presse)
France Presse: Qual o símbolo mais forte de Maio de 68 para você?
Daniel Cohn-Bendit: A imagem que permanece para mim de 68 é "Nós somos todos judeus alemães". É um slogan, e foi o grito de milhares de pessoas nas manifestações, que gritavam "todos nós somos judeus alemães", sejam negros, judeus, árabes, brancos. Para mim, isso simboliza esse espírito de solidariedade multirracial da época. Eu tenho um sentimento de reconhecimento. Estou muito kitsch (...) Isso me faz chorar... Estar em uma sociedade onde você tem a impressão de estar sozinho e, de repente, não está sozinho. É um senso de comunidade.
AFP: Qual é a herança de Maio de 68?
Cohn-Bendit: É um legado positivo. Em 1965, uma mulher casada tinha que pedir permissão ao marido para abrir uma conta bancária. Hoje, é possível fazer isso sem permissão. Hoje em dia, mesmo os católicos inveterados defendem que a base da democracia é a autonomia e a igualdade entre homens e mulheres. Hoje você tem uma aceitação da autonomia das crianças, uma aceitação da homossexualidade, apesar da igreja ainda ter seus problemas. Uma aceitação da diversidade dos indivíduos. Uma idéia de direitos humanos e democracia.
AFP- Será que podemos comparar 2008 a 1968?
Cohn-Bendit: Você tem que ter cuidado. A sociedade hoje não tem nada a ver com a de 40, 45 anos atrás. Ela é muito mais aberta, mas tem outros problemas. Em 68, não se conhecia o desemprego, a Aids, a degradação climática, ou a perversidade da globalização. Éramos uma geração que dizia: "O mundo nos pertence, somos capazes de governar nossas vidas e o planeta de forma diferente". Hoje o mundo é assustador, é uma sociedade que está ansiosa, uma sociedade em que temos um outro tipo de sofrimento. O ano de 68 participou da conquista da liberdade, da autonomia. Hoje em dia, nós queremos conquistar segurança. Comparar as duas épocas parece enganoso.
AFP- As multidões que ouviam suas palavras, o poder abalado... Isso lhe dava uma sensação de poder?
Cohn-Bendit: Não, mas sim uma sensação de felicidade. Amo as multidões --e seria completamente idiota negar isso-- mas não é para subjugá-las. É uma forma de diálogo, de desafio. Pilhas de grupos políticos queriam o poder. Já eu, era libertário. Os leninistas queriam dirigir o movimento. É a doença da direção, isso continua até hoje.
AFP- [O atual presidente francês] Nicolas Sarkozy afirmou que Maio de 68 implementou o cinismo da política...
Cohn-Bendit: Cinismo? Era tudo, menos cinismo. Talvez contraditório, talvez cretino, mas nada cínico. Ele, sim, é absolutamente cínico. Quando diz isso, ele [Sarkozy] se olha no espelho.
Cohn-Bendit no parlamento europeu
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