Os verdadeiros afetos nos transformam. São o amor em plenitude.
Estava sentado observando-a, na cozinha, embalando em latas os biscoitos de Natal. Os adoráveis biscoitos de Natal. Adorava-os. Adorava-a. Ali, linda, delicada e doce, compenetrada. Ela se deixava admirar por aqueles olhos castanhos tomados de encantamento e amor, deslumbrados, e, vez por outra, levantando os olhos e sorrindo suavemente, assentia e compartilhava.
Era clara, seu cabelo claro ondulado e os olhos verdes o deixavam sem pensamentos. Era todo contemplação e dádiva, agradecido pelo momento. Tão perto dela, no Natal, testemunha de seu labor. Tão doce, tão doce. Que benção tal criatura existir. Os minutos passavam e o calor não era intenso, mesmo no dezembro tropical. As árvores verdes, as bolinhas vermelhas de vidro, tudo era mágico e encantado, mas nada se comparava a ela, ali, a sua presença.
O momento. A vida é os momentos. Um jardim florido de momentos, às vezes - o que nos salva neste mundo de dor. Olhava seus braços e mãos em movimento, lindos braços, mãos bem formadas, delicadas, alvas, e isso era tudo o que importava e bastava. E assim se foi o momento até que... Sempre há um "até que" em algumas histórias, eis que a própria vida é um "até que". Olhou inadvertidamente para a janela e viu o próprio reflexo no vidro.
Não foi susto, mas horror. Ela percebeu a alteração no clima.
- O que foi, querido?
- Deus, estou velho, muito velho.
- Calma, meu amor.
- Estou velho, muito velho, estou feio, enrugado.
- Calma, meu amor. Não fique assim.
- Eu te amo.
- Também te amo.
- Eu não que que você vá embora.
Olhou-o com tanta ternura que seus olhos verdes restituíram-lhe imediatamente sua paz de espírito.
- Eu nunca irei embora. Jamais te deixarei.
- Promete?
- Não. Quem promete é mentirosa. Lembra?
- Sim - até um sorriso arrancou dele.
Os olhos castanhos se tornaram súplica:
- Sinto saudade.
- Não sinta.
- Sinto tua falta.
-Não sinta. Não estou aqui, agora? Sempre estarei contigo. Sempre estaremos juntos, meu amor, num tempo que jamais deixará de existir em nossos corações.
Deu a volta na mesa, trouxe sua cabeça pra junto de seu peito e abraçou-o. Sentiu a pele macia, o perfume, os dedos dela acariciando seus cabelos. Quase adormeceu, assim, tão bem acolhido. Era todo amor. Agradeceu. Não havia porque duvidar do que ela dizia.
Entretanto, naquela noite de Natal, tomou cuidado para não voltar a olhar o vidro da janela, pra não romper o encanto que transcendia o sentido de tempo, de presente e de passado. Tudo era o momento. E pra sempre seria.