João Adolfo Guerreiro
Descobrindo a verdade/ sem medo de viver/ A liberdade de escolha/ é a fé que faz crescer.
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Textos

De garanhão a zebu

 

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Lauro se gabava de ser o “garanhão” da cidade. Em sua vida de putarias e de muitas amantes, traçou de tudo: loira, morena, ruiva, negra, oriental, gorda, magra, alta, baixa, solteira, casada, viúva, enfim, não havia lacunas em seu currículo. Era o que se chama por aqui de um “esmerilho”, ou seja, “lixava” tudo o que pintasse.

 

Já passado dos quarenta anos, estabelecido financeiramente, casado com a bela Tatiana, Lauro ainda continuava “na batalha”, embora mais comedido e seletivo. Numa de suas incursões pela noite encontrou Giovanna. Morena, esbelta, 19 anos, “uma gata”. Ela lhe deu “espaço” e ele “estacionou”. Virou sua amante oficial. Apesar da pouca idade, Giovanna era “esperta”, malandra, “rodada”, com boa quilometragem sexual e possuindo o que se chama de “um trabalho forte”. Para Lauro, homem vivido, era uma mão-na-roda. Só que, vejam só, o garanhão se “apegou” na gata. Apaixonou-se. Saía com ela para todo o lugar, pelas cidades vizinhas.

 

Giovanna, após uns seis meses de relação, começou a exigir um maior compromisso de Lauro. Queria que ele largasse a esposa. Lauro não aceitava, devido ao filho pequeno, a casa que havia concluído a construção recentemente, essas coisas. Claro, para ele estava ótimo do jeito que estava. Giovanna deu um ultimato: ou Lauro a atendia ou fim de relação. O “garanhão”, quando apaixonado “pelo corpinho”, começa a metamorfose para “jumento”. Ao final das contas, acertaram-se com Lauro alugando uma boa casa para Giovanna. Era uma jogada clássica: a moça percebeu que Lauro estava “na palma da mão” e pressionou para obter algo mais do que bailes, jantares e noites de sexo. E o jogo permaneceu assim, Giovanna sempre pressionando Lauro, simultaneamente a prestação do “trabalho forte”, que ele adora e o prendia cada vez mais.

 

Tem uma máxima bíblica que diz que “quem vive pela espada morre pela espada”, e Lauro não escapou ao seu destino... Giovanna, quando o amante viajava a trabalho, arrumava namorados e o traía, usando a casa alugada por Lauro como motel. Estava concluído o círculo da metamorfose: de “garanhão, Lauro virou “jumento” e, daí, para “zebu”. Lauro, o garanhão, era o novo corno da praça. Corno da amante!

 

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Como era previsível, depois de um tempo Lauro passou a dar mais “atenção” para Giovanna, em detrimento de Tatiana que, por sua vez, passou a desconfiar.

- Lauro, tu tá me traindo?

- Não Tati, bem capaz. Eu te amo querida. É o trabalho. Muito serviço. Fico estressado. Só isso.

 

As desculpas não foram suficientes para a esposa, que ficou com “uma pulga atrás da orelha”. Começou a furungar daqui e dali, contando com a solidariedade das amigas, acabando por descobrir tudo, inclusive o endereço da casa que Lauro alugara para a amante numa cidade vizinha. Daí ficou fácil: era só esperar o momento certo para dar o flagrante. Numa daquelas noites em que Lauro teria de “passar fora a serviço”, Tatiana resolveu fazer uma visita surpresa para Giovanna. Deixou a irmã cuidando do filho e às duas da madrugada foi de táxi até lá. O carro do marido estava na frente. Bateu na porta.

 

- Quem deve ser a essa hora? – perguntou Lauro a Giovanna.

- Ah, deve ser a Patrícia que veio dormir aqui amor.

Giovanna levantou da cama e foi abrir a porta. O “garanhão” ficou deitado. Não se importava com o fato de a maninha da amante dormir ali, até porque a casa era grande, possuía três quartos. Mais havia outro motivo: a cunhada, dois anos mais nova que a irmã, era bem “aproveitável” e ninguém sabe como será o amanhã. As coisas podem mudar e, então, é bom já ir “criando alternativas”.

 

- Já vai Patrícia! Tu devia ter vindo mais cedo. O Lauro tá aqui e eu... !?!?!?

- Boa noite. Eu quero falar com o meu marido – foi dizendo Tatiana ao entrar, decidida e saltando fogo pelas ventas, como toda boa leonina.

A virginiana Giovanna, embora não conhecesse de vista a “oficial” de Lauro, sabia o seu “retrato falado” e, pela situação, não havia como ter dúvida acerca da identidade da mulher a sua frente.

 

- Tá, e daí moça, vai chamar ou eu vou ter que revirar essa baiúca?

Giovanna, mesmo sendo “safa”, era nova e ficou intimidada com a postura da “titular”, até porque quem deve teme, ainda mais se pega na tampinha e de surpresa. E Tatiana estava com toda a razão do mundo. Giovanna só apontou para o quarto. Tatiana não titubeou. Foi até lá. Parou na porta e olhou para dentro. Só viu a cama desarrumada. Nada do taurino Lauro.

 

- Lauro, aparece! Aparece sem vergonha! Ordinário! Filho da puta! Pilantra! Canalha! Onde tu tá cretino? No sofá ou embaixo da cama?

Embaixo da cama. Situação de e folhetim, óbvia. Nem precisa dizer o quanto foi vexatória a sua saída lá de baixo. O tempo fechou. Um escândalo. Toda a vizinhança assistiu o barraco. Depois de tudo, Lauro ainda ficou satisfeito por Tatiana não ter descoberto que era ele que pagava o aluguel da casa. Óbvio que ele continuou o romance com Giovanna, todavia com menor tempo para se dedicar, visto a marcação cerrada da esposa.

 

- 3 -

 

Giovanna, por seu lado, passado o trauma pelo flagra, começou a refletir sobre a situação. Vai que Lauro a deixasse na mão? Fosse se afastando por meio da esposa? Decidiu usar sua psicologia feminina e aumentou a pressão sobre Lauro, aproveitando que ele ainda estava “engatado” nela. Claro que Lauro não pôde se comprometer em deixar a mulher e tampouco em passar mais tempo com a amante. Mas Giovanna já contava com isso e deu o passo seguinte, já premeditado. Arrumou um namorado. O trintão Tadeu, de escorpião, e passou a andar com ele para cima e para baixo, para todo mundo ver, humilhando Lauro.

 

Surtiu efeito! Lauro, ao perceber que estava sendo descartado, perdeu o amor próprio, esqueceu do orgulho e, doido de ciúmes e “descornado”, passou a correr atrás de Giovanna, com mil promessas. Não adiantou, pois a moça já tinha experiência de vida o suficiente para saber que não poderia vacilar e que deveria ir até o fim com a cartada. Além do mais, Tadeu era bem “melhor de cama” do que Lauro e, assim, o útil estava sendo também agradável. O cúmulo do ridículo para Lauro foi num baile em que ele foi sozinho e viu Giovanna e Tadeu juntos. Procurou o DJ, seu amigo, e dedicou uma música para a ex-amante. Estava no ápice da “dor de corno”. Os amigos acabaram descobrindo a situação e não entendiam como um dos maiores garanhões da cidade havia se tornado um zebu manso e nojento, tudo por causa de uma rapariga “que nem era isso tudo”. No consenso geral do macharedo, Tatiana era “bem mais mulher” que ela.

 

Mas Lauro não achava isso, só pensava na sua dor, deprimido de amor que estava. O fundo o poço, o último grau de degradação, deu-se no dia em que teve a ideia de ligar para Tadeu a fim de pedir que o mesmo abandonasse Giovanna. Eis o constrangedor diálogo:

- Alô.

- É o Tadeu?

- Sim. Quem fala?

- Aqui é o Lauro.

- Ué, tu? Mas porque tu tá me ligando cara?

- Quero falar contigo sobre a Giovanna.

- Como é que é? Olha cara, eu não tenho nada pra falar contigo. Ela tá comigo e pronto. Vê se te fraga, tchê.

- Olha, eu tô ligando numa boa, para a gente conversar e definir umas coisas.

- Cara, te fraga! A guria tá comigo. Se ela não quisesse mais, daí era outro papo. E não me enche o saco, o corno manso.

Realmente, o fundo do poço.

 

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Giovanna, depois de um tempo, cedeu a insistência de Lauro e voltou a sair com ele, contudo sem dispensar Tadeu. Lauro virou o amante de sua amante que, por sua vez, era amante de Tadeu, que também era casado.

O último não ligou para a situação, pois, para ele, Giovanna era somente “uma trepada legal”. Lauro é que se corroía por dentro, querendo exclusividade de Giovanna. A esperta, então, condicionou um reatamento firme da relação desde que os dois fossem morar juntos. E Lauro cometeu a besteira de aceitar...

 

Deixou Tatiana. Foi um novo escândalo na família e na cidade. Um novo lamento para os amigos. A mulher ficou desolada, mas não insistiu mais na volta de Lauro devido ao seu orgulho ferido e raiva que, juntos, mataram o seu afeto pelo marido. Melhor para Antônio, de escorpião. Antônio era colega de serviço de Tatiana e há muito a cobiçava, vendo nela uma mulher bonita e inteligente, ideal para um compromisso estável. Não desperdiçou a oportunidade e começou a cortejá-la. Em seis meses começaram a namorar. Quando Lauro percebeu, Antônio já saía com Tatiana para jantar na cidade. A ideia de um outro homem morando na sua casa e criando o seu filho o incomodou. Foi conversar com a ex-mulher e ela o rejeitou, criando uma situação melindrosa que terminou numa briga com Antônio onde, ainda por cima, levou a pior.

 

Giovanna largou novamente Lauro e voltou a andar ostensivamente com Tadeu. Perdera completamente o respeito pelo amante, que não deixou de correr atrás dela até reatar novamente a relação, já totalmente falida. Enquanto isso, Antônio cada vez mais assumia o seu lugar.

 

Epílogo

 

Passado pouco tempo, Giovanna arrumou um emprego legal em Porto Alegre e largou definitivamente Lauro. Tadeu também largou a mulher, mas nada a ver com Giovanna. Trocou-a por uma médica, canceriana. Continua a ver Giovanna eventualmente, pois ela é “uma trepada legal”. Lauro, um dos maiores garanhões de sua cidade, perdeu a reputação e hoje é apenas “mais um zebu do pedaço”. Vê o filho eventualmente, de acordo com a decisão judicial. Já não é nem sombra do homem que foi um dia. Sossegou.

 

Agora está com Suzana, uma professora, balzaquiana. De escorpião.

 

 

 

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Charqueadas, 31 de janeiro de 2007

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 10/06/2025
Alterado em 10/06/2025
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