Eu e o Gó
brincávamos no Casarão
onde os mais velhos da Colônia
nos diziam haver
grilhões para escravos no porão
Era mentira, claro,
mas a gente acreditava
e subia no sótão bamba
e descia para o porão
do velho Solar dos Barcellos
Depois ficamos espertos
sacamos a lorota dos velhos
Nossa vingança
foi a morte os levar
e irmos no velório deles
Enganaram sobre a antiga sede da Meridional
depois sorrimos ao vê-los nos caixões
enterrados no cemitério da Colônia
que hoje está abandonado e cheio de mato
(ossos esquecidos e tumbas sem retrato)
Ah, me deu uma saudade do Gó
das nossas meninices e crendices
e também dos velhos lá da Colônia
que perdiam o seu tempo troçando da gente
Ah, doces velhos, queridos velhos, tão sapientes
Sabiam da generosidade da vida
muito mais do que eu hoje sei
e enobreciam seu pouco e precioso tempo
atiçando a imaginação da criança que fui
Hoje tenho minha neta
e minto adoidado pra ela
para que a magia da vida lhe sorria
como nos sorriam as doces mentiras
dos queridos velhos lá da Colônia
sobre as correntes do Casarão
PS - O Solar dos Barcellos, propriedade do senador, médico e charqueador Ramiro Fortes de Barcellos (1851 - 1916), foi sede de sua charqueada Meridional, situada onde hoje é o bairro Colônia Penal, em Charqueadas. O Casarão, como o chamávamos, ou o Casarão da Colônia, como era conhecido em Charqueadas, foi demolido na década de 1980.