Não quis escrever sobre isso no período do Natal, para não ecoar um debate negativo impróprio ao espírito natalino, então o faço hoje, após o Dia de Reis.
A pauta começou devido a um Papai Noel em dourado, branco e verde em Comboriú no final do ano passado, praia catarinense onde a extrema-direita governa e Bolsonaro fez 75% dos votos em 2022. A maioria das pessoas ficou sabendo do fato, então não preciso explicar mais, só dizer que isso me motivou a escrever essa crônica. Politizaram a roupa do Papai Noel, "patriotando-o"? A prefeitura disse que não e deu lá os seus motivos, tudo ok. Não é esse o problema, pra mim, e é um assunto já passado, mas que coloca a questão: tem de ter cor obrigatória o traje do Papai Noel, o vermelho e branco?
Fui na casa de uma parenta no dia de Natal e vi, na sua árvore, um pequeno Papai Noel azul. Ela é 100% insuspeita, pois, além de ser de esquerda, é coloradíssima, ou seja, totalmente "vermelha". Disse-me que o viu por aí, achou diferente, gostou, comprou e o pendurou, somente isso. Claro, lembrei pra ela que o saudoso gremistão Paulo Sant'Ana, em 1961, aos 22 anos, após o Grêmio bater o Inter por 3x2 num Grenal realizado no antigo estádio dos Eucaliptos, entrou em campo vestido de Papai Noel azul, sendo tal o início de sua fama e ascensão no jornalismo gaúcho como cronista de futebol identificado com um time.
Em primeiro lugar, devemos dizer que o próprio Natal é uma data que não consta nos Evangelhos e que não era comemorado nos séculos iniciais do cristianismo, além de ignorarmos se Jesus era um branquelo loiro de olhos azuis ou um moreno de cabelos crespos e olhos castanhos. Então, imagina o que sobra pro Papai Noel, né? Tá, dito isso, vamos à inspiração inicial para o Bom Velhinho, o bispo católico São Nicolau de Mira, falecido em 6 de dezembro de 350. Como bispo, usava o vermelho, diz-se. Aí inicia o uso da cor, que, inclusive, é a mesma do Sinterklaas holandês, uma versão de Noel igualmente inspirada em Nicolau.
Resolvida a questão? Ainda não. Papai Noel já foi, ao longo dos séculos, retratado com roupa marrom, castanha e verde. Daí chegamos ao gordo e bonachão Papai Noel da Coca Cola, mais famoso hoje em dia, o definido na década de 1930 nos EUA (aproveitando uma ideia criada por um cartunista em 1886), que hoje predomina pelo mundo. Claro que a empresa aproveitou a versão cor vermelha por ser a de sua marca. Além do mais, não esqueçam um detalhe importante: a bandeira americana é azul e VERMELHA.
Assim, por tudo o que vimos acima, embora a roupa do Noel mais utilizada seja a "tradicional" vermelha (a que prefiro), mais adequada à inspiração original, não há porque ficar contra possíveis mudanças na mesma. O importante é que o Espírito de Natal não seja maculado com coisas pequenas, tipo ranços e preconceitos politico-ideológicos. Como escreveu Fernando Pessoa: "Tudo vale a pena Se a alma não é pequena".