João Adolfo Guerreiro
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1961, 61 anos depois: militares pela Constituição

 

É arriscado misturar interpretativa e analiticamente fatos históricos diferentes sem ser esquemático, impreciso e sacrificar suas complexidades, entretanto o farei meramente para fins ilustrativos do presente e num caso bem específico, neste artigo: a postura de militares de carreira influenciando os destinos da nação e de sua democracia.

 

Primeiramente, sabemos que a República foi criada no Brasil a partir de um golpe militar que derrubou a Monarquia, em 1889. Logo, desde a sua origem o Brasil de hoje tem a mão dos militares intervindo na política, apoiada pela força das armas. Demos então um salto para a Legalidade, em 1961, onde o governador gaúcho Leonel Brizola liderou um movimento popular com base constitucional que garantiu a posse do vice-presidente João Goulart após a renúncia de Jânio Quadros. Entretanto, toda a resistência deu certo pela força das armas, não as da Brigada Militar, mas sim as do III Exército, comandado pelo general José Machado Lopes, que sentou pé, apoiado pelos generais Oromar Osório e Peri Constant Bevilacqua e pelos coronéis Roberto Osório e Argemiro de Assis Brasil, em favor do cumprimento do rito constitucional, afirmando inclusive que prenderia oficiais que aqui viessem fazer o contrário. Como o III Exército era o maior do país, sua oposição demoveu os militares "do outro lado". O resto é história.

 

Em 2022, após quatro anos do governo Bolsonaro, uma ampla coalizão de forças políticas que juntou esquerda, centro e direita se articulou no segundo turno em favor da candidatura Lula, impedindo a reeleição da extrema-direita. Tais forças políticas se organizaram, principalmente, a partir do descalabro sanitário que foi a gestão da pandemia pelo governo, com centenas de milhares de vidas perdidas sem necessidade, devido ao negacionismo antivacina. Isso gerou a insólita união de empresários, trabalhadores, grupos religiosos, setores da grande mídia, judiciário, governadores (principalmente João Dória, de SP) e prefeitos das grandes cidades em favor de medidas sanitárias adequadas e urgentes, o que desaguou na coalizão acima referida.

 

Vencido o processo eleitoral, tivemos uma série de acontecimentos que, baseados no negacionismo eleitoral que colocava em dúvida a confiança nas urnas eletrônicas, tiveram como ápice a invasão dos prédios dos Três Poderes em Brasília no início de janeiro de 2023, logo após a posse de Lula. O que o Judiciário e a Polícia Federal trouxeram à tona por esses dias é algo ainda mais grave do que isso: militares de carreira das Forças Armadas, ligados ao presidente derrotado nas urnas, tramavam a morte do presidente e vice eleitos, além do ministro do STF Alexandre de Moraes. Gravíssimo e inaceitável. O motivo de tudo ter dado em nada, o plano de assassinato e a tomada de Brasília, foi novamente a oposição de militares de carreira em defesa da Constituição.

 

O então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes (foto acima, à esquerda), junto com o tenente-brigadeiro do ar Carlos Baptista Júnior (idem, à direita), comandante da FAB, em reunião com o presidente Bolsonaro, o general Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa, e o almirante Almir Garnier, da Marinha, opuseram-se à tentativa de golpe e, inclusive, ameaçaram dar voz de prisão a Bolsonaro, conforme apontam as investigações da PF e depoimentos dos presentes. Garnier e Nogueira apoiavam o presidente. O pé-firme do Exército e da Aeronáutica fez com que os atos de Brasília em janeiro do ano seguinte gorassem, junto com os agora revelados planos de assassinato de autoridades eleitas e do Judiciário. Gravíssimo e inaceitável, repito.

 

E, ante tudo isso, não podemos esquecer de que se tratam do mesmo Judiciário e da mesma PF que endossaram o impeachment da ex-presidenta Dilma e a prisão por mais de 500 dias do presidente Lula, agora acusando o ex-presidente Bolsonaro e militares aliados de crimes contra as leis constitucionais que regem a República. Mais uma vez, digo: gravíssimo e inaceitável! Todavia, o diferencial, assim como em 1961, 61 anos depois, em 2022, foi a postura de militares de alta patente em defesa da democracia brasileira, relembrando os generais Machado Lopes, em 1961, e Teixeira Lott, em 1955 (garantindo a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek) - Lott também se posicionaria constitucionalmente em 1961 - e, um pouco, também, o ex-presidente general João Batista Figueiredo. Ora, como assim? Vale a pena contar essa história, também, a propósito do tema deste artigo.

 

Mesmo na Ditadura Militar, haviam alas militares em disputa, uma querendo endurecer ainda mais o regime e prosseguir no poder e outra, liderada pelo então presidente general Ernesto Geisel, gaúcho de Bento Gonçalves, favorável à abertura política e redemocratização, articulada pelo general Golbery do Couto e Silva. Para isso, após defenestrar de seus cargos os generais linha-dura Ednardo D'Ávila Mello, comandante do II Exército, em 1976, e o ministro do Exército Sylvio Frota, em 1977, Geisel fez, em 1978, seu sucessor, o carioca Figueiredo, que estudara no Colégio Militar de Porto Alegre. Assim, imbuído deste espírito, quando falou que faria do Brasil uma democracia "queiram ou não queiram" e que "prendo e arrebento", o recado era para os militares de linha-dura, não para a oposição democrática ao regime. E assim fez, instituindo, ainda a Anistia a todos os envolvidos, militares e civis, contra e a favor da Ditadura Militar.

 

Com certeza os militares pró golpe de hoje são os herdeiros de Frota e Mello, não os de Lott, Lopes e, podemos dizer, Figueiredo, pois esses o são Freire Gomes e Baptista Júnior, garantidores da Constituição em 2022. Logo, o que 1961 nos mostrou, levando-se em conta 1964, é que se acontecer a anistia para os vândalos de janeiro de 2023, isso só vai estimular que os golpistas se mobilizem e se rearticulem em favor do golpe, contra a democracia e a vontade popular. Isso não pode acontecer, pois, seja de esquerda ou de direita, todo o militante golpista há de arcar com seus atos violentos contra a democracia, sendo responsabilizado pela Justiça.

 

E um último detalhe, que entendo necessário e pertinente afirmar neste artigo: a maioria dos golpistas se alia a grupos religiosos cristãos e professa sua fé aos quatro ventos. Farsantes e hipócritas, fariseus. Buenas, entendo que um cristão pode ser de qualquer matiz ideológica - comunista, socialista, liberal, socialdemocrata, conservador, progressista - ou linha política - centro, direita, esquerda -, desde que seja, em primeiro lugar, cristão, isto é, desde que siga, acima de tudo e de todos, o que Jesus ensinou e está escrito nos Evangelhos. Lá não há menção a planejar a morte de adversários, mas só o amor incondicional e ágape que Jesus dedicou, inclusive, aos seus algozes, soldados romanos, que o pregavam na cruz. Ao ser preso, Jesus disse para Pedro largar sua espada, quando esse decepou a orelha de Malco, guarda do Templo de Jerusalém a serviço de Caifás: "quem vive pela espada, pela espada perecerá". Como bem disse a jornalista Andressa Xavier em seu artigo O segundo mandamento, na Zero Hora deste final de semana, na página 19, "se você diz que é cristão, não pode achar normal uma conversa sobre matar alguém", acrescentando que "político que se esconde atrás de Deus para justificar tudo que defende ou faz me deixa absolutamente desconfortável", pois "isso não é fé verdadeira, mas sim usar da crença das pessoas".

 

Finalizando, devemos então agradecer à postura desses dois servidores públicos militares federais, general Freire Gomes e brigadeiro Baptista Júnior, o fracasso do golpe de 2022. O jornalista Marcelo Rech, na mesma edição e página de ZH, escreveu ser chocante "constatar que nós, contribuintes, bancamos por décadas os estudos, a alimentação, a saúde, a farda, o soldo ou a pensão da reserva para que um grupelho se arvorasse de defensor do povo e das liberdades - tais como os golpistas de opereta das repúblicas bananeiras - e se achasse no direito de assumir na marra as rédeas da oitava economia do mundo". Acrescentou, arrematando muito bem: "A larga maioria da cúpula militar desativou os delírios que pairavam sobre o Planalto. (...) Enxerga-se com mais nitidez agora, não importando quem tenha sido eleito, como foi decisivo eles terem ficado do lado certo da história".

 

Louvemos os heróis civis, populares e militares de 1961, aprendendo suas lições e igualmente louvando aqueles militares que, 61 anos depois, honraram a farda que vestem, defendendo a Constituição em 2022. Logo, numa história que não aconteceu como farsa e tampouco se repetiu como tragédia. Aos demais, os rigores da lei e o direito à ampla defesa que a Constituição lhes obriga e permite.

 

Uma boa semana para todos. Cuidem-se, vacinem-se, vivam e fiquem com Deus.

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 25/11/2024
Alterado em 25/11/2024
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