Essa história quem me contou foi o cozinheiro de um bar em Charqueadas, no sábado passado, durante a decisão da medalha de ouro no futebol feminino entre EUA x Brasil. Disse ser verídica e ter acontecido com ele.
"Caminhava por uma cidade de Santa Catarina, então olhei um letreiro e achei engraçado e maneiro o nome, daí entrei, todo faceiro e curioso. Já vi o atendente, atrás do balcão mal limpo, com ar de estressado e mau humorado. Parecia o Bar do McSorley, sobre o qual li há uns dez anos numa revista Piauí.
- Bom dia - disse, todo sorridente e gentil.
O atendente só levantou os olhos do celular na minha direção, com cara de tédio e desinteresse, como que dizendo 'Bah, mas um que vem encher o saco e atrapalhar meu Insta'.
Silêncio absoluto, antártico. Sorri amarelo, constrangido e acuado, e tentei quebrar o gelo:
- Posso olhar o cardápio?
Nem um 'sim' ou um 'tá ali' como resposta, ele apenas indicou um local sobre o balcão com o nariz. O cardápio, escrito a mão, estava numa folha de ofício protegida por um saco plástico surrado. Fui ler e parecia hieróglifo. Seria um papiro?
- Tem algo dietético?
O atendente olhou como se eu tivesse perguntado qual o sentido da vida na filosofia de Hegel. Passaram-se centenárias dezenas de segundos até que ele emitiu um som, algo parecido com voz, informando-me numa língua semelhante ao português brasileiro, ríspido:
- U qui teim tá nu cardápiu - ao que baixou o olhar para o celular, novamente.
Tá, entendi o recado de que o cara não era de e não gostava muito de conversa e que o nome do bar não era apenas um gracinha, mas sim uma advertência.
- Qual é a cerveja que tem?
Ele me olhou, quieto. Senti ser necessário explicar:
- É que não tem a marca aqui no cardápio.
- Teim cerveja. Cerveja é tudu cerveja. Vai quere ou naum?
- Vou.
Ele largou o celular, levantou demonstrando absoluta má vontade e, finalmente, vi que as pernas dele eram funcionais. Era Schin. Não gosto, mas achei melhor não dizer nada, pois o cara tinha uma daquelas facas grandes de churrasco pendurada na cintura, na bainha.
Largou a breja na minha mesa, junto com um copo surpreendentemente bem lavado e um abridor. Sim, ele não ia abrir pra mim. Nem isopor ele trouxe. É tipo assim bebe rápido e pede outra, senão esquenta.
Reparei que entrou uma morena mui linda no estabelecimento, toda confiante e serelepe.
- Olá, tem Coca Zero?
Recebeu como gracejo um olhar de desdém e uma resposta desértica:
- Naum.
- Não tem?!
Resposta silenciosa.
Ela fechou o semblante e saiu, entre emburrada e surpresa.
Entraram quatro caras bem mal encarados e disseram, falando alto:
- Traz umas cevas aí, o seu bosta.
- Bosta é o teu pai, corno.
O atendente voltou com quatro brejas e quatro copos inacreditavelmente bem amparados numa bandeja. Cuspiu na mesa dos caras e eles retribuíram o gesto, gargalhando. Deviam ser clientes de longa data, preferenciais da casa. Todos de faca de churrasco na cintura.
Achei que já era hora de sair. O McSorley's me pareceu mais agradável, agora. Fui pagar. Mostrei o cartão débito do Banrisul e o cara me encarou, impassível. Tirei cinquenta reais do bolso e ele aprofundou o olhar. Fui embora sem perguntar se tinha troco. Vai que, né?"
Um bom final de semana para todos. Cuidem-se, vacinem-se, ajudem os atingidos pela enchente, vivam e fiquem com Deus.
Leia mais: O bar do McSorley, Revista Piauí.