Família é tudo. Pra mim, é. Quando o alicerce é forte.
Porque escrevo alicerce e não raiz? Porque a árvore vem de uma semente que cai no solo e germina, enquanto que uma família provém da decisão humana de duas pessoas de a constituírem, assim como as casas são construídas por decisão humana. E digo, aqui, família, num sentido mais amplo, para além do casal e seus filhos, mas de todo o entorno de laço consanguíneo do presente, do futuro e, também do passado, pois viemos de um grupo familiar que vai se ampliando. E isso opera, em muito, em nossa realidade, em nossa vida.
Uma viúva nos anos 1950, que perde o marido, arrimo da família, poucos meses antes dos 15 anos da filha mais velha, e se vê, em todos os sentidos, amputada e com três filhos pra criar, passando a comer arroz com batata porque era o que dava pra ter. Daí vem a irmã mais velha e diz "Vem comigo, agora os teus filhos são nossos filhos". Família é tudo, quando o alicerce é forte, e esse exemplo é muito forte. Não é por acaso que certas pessoas são colocadas num pedestal de amor e gratidão e gozam de grande autoridade moral, é pela obra que realizaram, que revelou o ser humano.
É muito difícil para os mais novos da família perderem os mais velhos. Eles foram a origem e a manutenção da vida, o carinho, o afeto e o amor. Jovens, quando achamos que sabemos de tudo, fazemos ouvidos de mercador para os seus conselhos. Com um pouco mais de idade, já começamos a perceber que a coisa não é bem assim, que há com que não saibamos lidar e que eles tiram de letra. Mais adiante ainda no tempo, quando descobrimos que éramos apenas arrogantes por ignorantes, eles voltam a se tornar a referência maior, de quem absorvemos cada palavra sobre como a vida funciona na relação entre as pessoas, pois eles viveram e aprenderam. "Também sei das coisas por estar vivendo. Quem vive sabe, mesmo sem saber que sabe. Assim é que os senhores sabem mais do que imaginam e estão fingindo de sonsos" - Clarice Lispector em A Hora da Estrela.
Eles também aprendem até o último minuto, mas, comparados com a gente, são sábios. Quando se vão, fica o legado, o alicerce, mas é claro que a perda que representa sua partida rompe uma relação basilar e insubstituível neste plano físico, uma lacuna para o resto da vida. Como este mundo é apenas passagem e oportunidade de aprendizado, a perda não é pra sempre, pois o túmulo é o final do corpo físico, não do espírito. A única perda eterna é a dos laços que se rompem ainda nesta vida.
A família da foto, desde o domingo, está novamente unida no plano espiritual, após 64 anos separada no físico. Família é tudo, quando o alicerce é forte, por isso ela continua e segue adiante na adversidade.