O Brasil visto do começo do século passado, mais precisamente há 113 anos. Sim, pois O triste fim de Policarpo Quaresma foi publicado por Afonso Henriques de Lima Barreto (1881 - 1922) primeiramente como folhetim, entre agosto e outubro de 1911, no Jornal do Commércio carioca.
Um grande livro, é considerada a obra prima de Lima Barreto. Usando o ingênuo nacionalista e idealista Policarpo Quaresma como contraste para mostrar a realidade do Brasil de sua época e a atitude hipócrita das pessoas e dos grupos sociais que o formavam, o livro não possui um tema específico, como apropriadamente observou o escritor e professor charqueadense Cristiano Quintana durante reunião do Clube do Livro de Charqueadas, ocorrida dia 29 na Biblioteca Pública Municipal Vera Gauss, quando do debate sobre este.
Ele aborda vários tópicos, como a loucura - tema caro ao autor, cujo pai morreu num hospício -, a desigualdade social, o racismo, a cultura, a língua, a questão agrária, o nacionalismo e a politica local e nacional. Ambientado durante a presidência de Floriano Peixoto (1839 - 1895), no período em que aconteceu a Revolta da Armada (novembro 1893 - março 1894), o texto abre com Policarpo Quaresma iniciando aulas de violão com Ricardo Coração dos Outros, visto que "a modinha é a mais genuína expressão da poesia nacional", mesmo vista com preconceito pelos grupos sociais mais abastados da época, que julgavam o violão ser instrumento de pobre e de vagabundo. Além disso, Quaresma lia em sua biblioteca livros onde encontrava as riquezas naturais e culturais do Brasil. Mais do que isso isso, aprendeu a ler e escrever o tupi-guarani, "nossa verdadeira língua pátria".
Foi justamente por esta que iniciaram suas desventuras, ao redigir por descuido um documento oficial na repartição pública onde trabalhava nesta língua, além de, posteriormente, enviar ao parlamento um requerimento solicitando "que o Congresso Nacional decrete o tupi-guarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro". Após isso, é internado num hospício e posteriormente se instala numa fazenda. Lá, fica abismado com as condições do povo rural, que não produz em suas terras, e também com a política local, ao ser espezinhado pelos governantes em virtude de recusar a se envolver na eleição municipal a favor destes. Bem neste ponto da história, eclode a Revolta da Armada e Quaresma vai para a capital como voluntário combater a favor de Floriano, o que acaba por lhe ser motivo para contrariedades e mais desilusões, resultando no triste fim aludido no título.
No segundo capítulo da segunda parte de seu livro, Lima Barreto descreve longamente os subúrbios do Rio de Janeiro: "A topografia local, caprichosamente monstruosa, influiu decerto para tal aspecto, mas influíram, porém, os azares das construções. Nada mais irregular, mais caprichoso, mais sem plano qualquer, pode ser imaginado. As casas surgiram como se fossem semeadas ao vento e, conforme as casas, as ruas se fizeram. (...) Dão voltas, circuitos inúteis e parecem fugir ao alinhamento reto com um ódio tenaz e sagrado. (...) Num trecho, há casas amontoadas umas sobre as outras, numa angústia de espaço desoladora". Parecem familiares e atuais, não é mesmo? No mesmo capítulo, mais adiante, uma observação que se repete, de diversas formas, ao longo do livro, sobre as pessoas afrodescendentes - Barreto, órfão de mãe aos seis anos, era filho de escrava com português: "Teve pena daquela pobre mulher, duas vezes triste na sua condição e na sua cor".
Para quem, como os integrantes do Clube do Livro de Charqueadas, aventurar-se pelas páginas de O triste fim de Policarpo Quaresma, uma pergunta se colocará ao término da leitura: O Brasil sempre foi do mesmo jeito em sua estrutura social, política e econômica? É a impressão que fica, a de uma desigualdade atávica.
Dia 19 de junho o Clube de Livro debaterá A menina que roubava livros, de Markus Zusak. Como sempre, o encontro será na Biblioteca Vera Gauss, às 19 horas, e aberto a todos os interessados. Os livros do Clube podem ser retirados por empreéstimo na biblioteca.
Um bom final de semana para todos. Cuidem-se, vacinem-se, ajudem os atingidos pela enchente, vivam e fiquem com Deus.