João Adolfo Guerreiro
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O sol voltou a brilhar no domingo

 

Após dias de chuva e céu encoberto, no domingo o sol voltou a brilhar e a água começou a baixar. Graças a Deus. Aqui no Centro de Charqueadas, com exceção das áreas atingidas pela enchente, tivemos água e luz na maior parte do tempo, apenas a internet se foi durante o período - ainda não voltou em minha casa, escrevo da cafeteria Degusty, num notebook emprestado. Agora à tarde o tempo volta a fechar e a chuva retorna, mas o nível do Jacuí já baixou de 11,32m para 9,54m.

 

Aqui no Centro, isso, na prática, significa que a casa do Caquinho, lá onde a rua Distrito Federal (foto acima) faz a curva próxima à beira do rio, já está fora d'água, que desceu para o portão de entrada. Particularmente, foi ali, desde a quinta-feira, que os residentes da vizinhança observaram a subida do rio, que, após tomar a casa do Caquinho, invadiu a residência número 87, do seu Birica, entrou no pátio do vizinho da 103 e parou na calçada da 115, do Gangá. Neste local trancou no sábado à noite e, no domingo, começou a descer.

 

Ninguém acreditava, na quinta-feira à tarde, quando ela ainda estava antes do antigo hotel, que isso tudo fosse possível, mas foi. As pedrinhas e tijolinhos usadas para marcar o ritmo de elevação do Jacuí - pedrinhas que se viram por toda a cidade, da Cohab, passando pela Vila Otília até o Passo da Cruz -, foram sendo recolocadas cada vez mais acima na rua, até chegar ao número 87, onde o pessoal resistia bravamente, sentado na calçada até com água já pelas canelas, tomando cerveja em latão para espantar o frio e a apreensão. Será que a água chegaria na pracinha e na rua Salvador Leão? Uns diziam que sim, outros garantiam que não, os segundos, ainda bem, tiveram razão. A água parou na casa 103 (foto acima), de um lado da quadra, e na 96 (foto abaixo1), do outro, ambas escapando com a água na entrada das portas.

 

Próximo dali, a rua Ricardo Louzada (foto abaixo2) ficou totalmente debaixo d'água, que atravessou os antigos Baar Xarqueadas e Casa Naval, chegando até o portão da residência dos Gonzales de Souza. Na rua, mais abaixo, parou na linha do segundo andar da casa do Gela Goela, mas, desta vez, cobriu totalmente a da professora Rejane Barczak. Cena muito triste de se ver, toda uma região duramente atingida pela segunda vez em poucos meses, agora de forma inédita, superando as marcas da histórica enchente de 1941 - há exatos 83 anos, entre 13 de abril e 6 de maio. Só que, chocado mesmo, fiquei ao ver o Passo da Cruz.

 

Conversando com a Daniela, no Turfe Coffee (antiga lancheria da rodoviária), ela me disse, ante a inédita gravidade da situação: "A gente olha as coisas e parece até que não é real". Foi só ao ver toda a Passo da Cruz (foto abaixo3) submersa nos dois lados da ERS 401, que senti esse estranhamento, essa noção de irrealidade e de pesadelo. Não esperava por isso. Como algo assim é possível? É real? Na outra enchente, ano passado, tinha chegado na porta da casa dos Kappel, agora arrasou a vila. Parado, olhando aquilo, por um momento tive o delírio de estar em algum outro lugar, noutra cidade, olhando um rio que via pela primeira vez, mas que sempre existiu e sempre esteve ali, tamanho o meu estarrecimento. Imagino os espectros que assombraram os corações e as mentes dos moradores por algo assim por demais inesperado e inimaginável. Vivi para ver o Passo da Cruz assim, Deus do Céu.

 

Todavia, o sol voltou a brilhar no domingo. No coração das pessoas, já brilhava desde os primeiros momentos da enchente, através daqueles que ajudavam as pessoas que seriam atingidas disponibilizando veículos e braços para a retirada dos móveis e demais pertences. Vi isso por toda a cidade, emocionado. Depois, foram os voluntários garantindo abrigo, roupas, água e comida para os desabrigados.

 

Charqueadas vai se reerguer. São Jerônimo, General Câmara, Triunfo e Arroio dos Ratos, também. O Rio Grande do Sul se reerguerá com a força solidária de sua gente e com o apoio de todo o Brasil, onde várias pessoas comuns e famosas, empresas grandes e pequenas se unem nessa rede de solidariedade. A solidariedade e o dinheiro do Brasil - e do mundo -, de sua população, de sua iniciativa privada e de seu governo não deixarão o RS se afogar.

 

O sol voltou a brilhar no domingo. A chuva que cai nesta tarde de quarta-feira não o ofuscará.

 

1 - Distrito Federal, 96

 

2 - Ricardo Louzada

 

3 - Passo da Cruz (ERS 401)

 

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 08/05/2024
Alterado em 08/05/2024
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