Eu e minha filha sempre falamos muita bobageca um pro outro, é da nossa relação. E não temos assunto proibido. Algumas histórias, ao longo do tempo, ficaram pro folclore da família.
Percebi que era muito esperta lá pelos seus dois anos e meio, quando estava deitada no sofá da sala segurando alguma coisa que julguei inapropriada e perigosa. Então, com a intenção de distraí-la e tirar o objeto, peguei um brinquedo e disse:
- Olha aqui o que o papai trouxe pra ti!
Encarou-me, olhou para o que segurava, encarou-me novamente enquanto segurava com mais força junto ao peito o objeto. Fui pego de surpresa, fiquei espantado e com cara de bobo. "Como ela se deu conta da minha artimanha?" Pensei: "Terei de estar sempre um passo na frente desta guria, pois se estiver ao lado, fatalmente ficarei pra trás".
Pela mesma época, numa noite de verão, estávamos na sala olhando TV e ela no quarto em frente. Repentinamente, sai pela porta, só de fralda, faz uma expressão parecida com a da foto acima e lança, épica e galhardamente:
- Sou a Lagartixa Ninja!
Morremos de rir. Sempre teve muita lagartixa aqui em casa, mas daí ela associar com as Tartarugas Ninja e fazer a sua versão, foi por demais inesperado e surpreendente.
Outra vez, um pouco mais velha, já sabia ler, perguntou-me do nada:
- Pai, o que é uma molécula?
Expliquei. Ela retrucou:
- Não é isso.
- Então o que é, sabidona?
- Molécula é uma menina muito "sapécula" - e deu risada da minha cara, a medonha.
Nessa fase, a das perguntas, certa feita deixou-me constrangido, quando, do nada, estando nós dois na sala olhando TV, indagou:
- Pai, o que é masturbação?
Puxa vida, o que responder? Hesitei uns segundos e saí pela tangente:
-Pergunta pra tua mãe, ela sabe.
A próxima é impublicável. Chegou do nada e pá:
- Pai, o que é ser um p@# &$ (#?
Pego desprevenido, arrepiei-me todo:
- Onde tu ouviu isso?
- Na escola, um guri chamou o outro disso.
Acuado, o melhor que eu pude responder foi:
- Isso é alguém ser tão trouxa a ponto de deixar que isso acontecesse.
Certa feita, num estúdio, tiramos uma foto juntos, após sua aula na Arte Viva. Ela de indiazinha, muito fofa e graciosa, A D O R O a foto. O retrato foi pro seu quarto e lá ficou, por anos, para extremo gáudio paterno. Até que, ela já moça, certo dia chego do serviço pela manhã e, ao passar pelo corredor, vejo-a em cima do móvel que lá ficava. O coração fraquejou naquele momento. Não muito tempo depois ela saiu de casa.
Até hoje não me recuperei totalmente daquela manhã, apenas aprendi a lidar - viver é sobreviver. Levei o retrato para o meu quarto, onde desde então permanece ao lado da minha cama, como marcapasso emocional.