No sábado perdemos Ziraldo. Grande personagem da literatura e dos quadrinhos brazucas, assim como Maurício de Sousa, que o homenageou na charge acima.
Umas das influências que me tornaram o cronista que sou, junto com seus colegas de Pasquim Millôr, Paulo Francis, Tarso de Castro, Sérgio Porto, dentre outros. Além de ler o Pasquim em suas duas épocas distintas, também acompanhava a breve e impagável revista Bundas - uma paródia da revista Caras -, da qual Ziraldo era o mentor.
Não escreverei sobre sua morte, mas sim republicarei o texto que fiz em outubro de 2022 para o Portal de Notícias, a propósito dos seus 90 anos.
"Sei como é ser o Menino Maluquinho
Quando eu era um pequeno Joãozinho lá na Colônia da igreja do padre Vilmo e da terreira do seu Caldeira, morei na rua da paineira (não sei o nome real da rua em que vivi até os dez anos, acreditam?) e ficava dando voltas na imensa árvore, que até hoje está lá, impávida. O Renatão Renner, marido da professora Liliane e primo da minha mãe, por isso e por outras coisas, apelidou-me de Louquinho da Paineira.
Dizem que eu era muito arteiro, coisa sobre a qual, obviamente, discordo com veemência e com a mais absoluta falta de isenção de minha parte, claro. Alguns adultos lhe davam razão e diziam que eu era levado da breca, mas há controvérsia - a minha. O que eu sei é que o apelido pegou por um tempo e que, se fosse hoje, o Renatão iria preso pro quartel onde trabalhava como brigadiano, pois isso é bullyng contra menor de idade. Naquele tempo não dava nada e nem eu dei bola, pois, já adulto, cheguei a acompanhar ao violão o Renatão cantando uns boleros. Saudoso Renatão e saudosos vizinhos da rua da paineira dos anos 1970. Saudoso meu pai também, que vivia tirando sarro dele quando jogava futebol. Lembro de uma vez, ali no campo da Afaço, o Renatão defendendo na goleira - era um cara alto - que dá pra oeste e o pai chamando ele de frangueiro, dentre outras gozações. O Renatão colocou a mão em suas partes baixas frontais e respondeu algo aqui impublicável pro seu Nery Guerreiro, que ria muito.
Bons tempos aqueles de Joãozinho, quando eu era o Louquinho da Paineira, o menino maluquinho da Colônia, filho da professora Ivone e do cabo Nery. Escrevo essa crônica para homenagear o cartunista Ziraldo pelos seus 90 anos ontem completos. Grande Ziraldo, fez parte da equipe do histórico jornal O Pasquim e da hilária revista Bundas, é um dos grandes nomes do desenho brasileiro, junto com Maurício de Sousa. A D O R O cartum, tenho várias publicações de caras como Ziraldo, Laerte - meu preferido -, Glauco, Angeli, Adão Iturrusgarai, Iotti, irmãos Caruso, Santiago e Edgar Vasques. Ziraldo talvez seja o maior e mais conhecido deles. E o Menino Maluquinho é, com certeza, seu personagem mais famoso. Ah, inclusive fez 42 anos ontem também, pois Ziraldo o criou no dia de seu aniversário, em 1980.
Tem uma história muito engraçada do Ziraldo que, nesses dias de polarização em que vivemos, merece ser recontada. Bom, ele foi preso durante a Ditadura Militar e levado para uma delegacia, onde também estavam detidos uns grevistas, não recordo agora - e não vou no Google pesquisar - se condutores de bonde ou motoristas de ônibus. Na época, os militantes comunistas de esquerda se dividiam em várias "linhas", tipo maoísta, leninista, trotskista, essas coisas. O fato é que Ziraldo estava vestido com uma roupa muito parecida com o uniforme de trabalho dos grevistas, então um se aproximou e perguntou: "E aí companheiro, qual a sua linha?" Ziraldo, achando que era um outro comunista, estrilou: "Como assim, qual a minha linha? Nós aqui presos e tu tá preocupado em saber qual é a minha linha?" O outro respondeu, surpreso: "Ih, colega, só queria saber o trajeto que tu faz". Só então o cartunista se deu conta do engano.
Então era isso, esta crônica foi só para comemorar os 90 anos de Ziraldo e os 42 do Menino Maluquinho. Fui."