Há tempos que deseja escrever sobre o jornalista, cronista, teatrólogo, dramaturgo, escritor e tradutor carioca João Paulo Emílio Cristovão dos Santos Coelho (1881 - 1921) aqui. Tive a noção plena de sua importância e popularidade ao ler Metrópole à beira-mar: o Rio moderno dos anos 20 (Companhia das Letras, 2019), de Rui Castro e, agora, como ele é o primeiro tradutor das obras de Oscar Wilde no Brasil e o Clube do Livro de Charqueadas amanhã debaterá O retrato de Dorian Gray, apareceu a conjunção literária que esperava, então abordei esse seu lado nesta crônica.
Entretanto, pelo nome de batismo acima, vocês encontrarão não muita coisa sobre ele, mas se googlearem por João do Rio, seu pseudônimo mais famoso (criado em novembro de 1903, quando escrevia para o jornal Gazeta de Noticias), daí a pesquisa abundará. Jornalista desde os 16 anos, é o literato mais jovem a ser eleito em vida (1) para a Academia Brasileira de Letras, aos 28 anos, em 1910. Uma outra conjunção literária é a publicação de As religiões do Rio, para a Gazeta de Notícias, há 120 anos, entre janeiro e março de 1904, reportagem de cunho antropológico e sociológico que inaugura no Brasil a chamada crônica-reportagem, impressa em livro no mesmo ano e que abordava de maneira pioneira (e um tanto polêmica) as denominações religiosas de matriz africana, mas esse é um assunto a ser desenvolvido em outra crônica ou artigo.
O que nos interessa hoje é destacar, do muito que essa prolífica figura produziu, são as também pioneiras traduções das obras de Wilde no Brasil, dentre elas, especificamente, O retrato de Dorian Gray. Primeiramente, o livro apareceu na última página do jornal A Noite, publicado como folhetim entre julho de 1911 à janeiro de 1912, sem assinatura do tradutor. Entretanto, esta é a tradução de João do Rio e já estava pronta desde julho de 1910, sendo que sua versão em livro é póstuma e sairia em 1923 pela editora Garnier. Só para termos uma noção entre as diferenças que podemos encontrar entre traduções, colocarei abaixo o primeiro parágrafo da feita por João do Rio e a que Paulo Cecconi fez para a DarkSide em 2021:
João do Rio: "Estava o studio impregnado pelo forte cheiro das rosas. Quando, por entre as árvores do jardim, passava a leve viração, entrava pela porta aberta o odor dos lilases, de mistura com o perfil mais sutil das madressilvas."
Cecconi: "O perfume abundante das rosas tomava o estúdio e, quando a leve brisa de verão soprou por entre as árvores do jardim, trouxe, pela porta aberta, o forte aroma dos lilases e a sutil fragrância das roseiras."
João do Rio teria utilizado o original em inglês para a tradução, embora uma versão em francês da obra integrasse sua biblioteca particular (que se encontra no Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro), que alguns pesquisadores avaliam ter sido igualmente usada como fonte primária pelo tradutor. João do Rio era tido como homossexual, o que seria um fator em comum com Wilde.
Ao falecer, em junho de 1921, de infarto, estava no máximo de seu imenso prestígio: à época, 100 mil pessoas participaram de seu funeral, num Rio de Janeiro que, então, possuía pouco menos de 1.160.000 habitantes, ou seja, quase 10% da população da cidade lhe rendeu suas derradeiras homenagens. Em Portugal, é nome de uma rua na cidade de Póvoa do Varzim e de uma praça na capital do país, Lisboa, por seu trabalho jornalístico em defesa da colônia portuguesa no Brasil.
O que escrevi aqui é só a ponta do iceberg do que é a vasta e marcante contribuição de João do Rio. Vejam só, nem escrevi sobre suas crônicas! Vale a pena pesquisar mais sobre esse grande nome da crônica jornalística brasileira.
Nota:
(1) - Álvares de Azevedo, eleito postumamente, morreu com 20 anos.