O Clube do Livro de Charqueadas se reúne toda a terceira quarta-feira de cada mês, mas agora em fevereiro será, excepcionalmente, nesta terça-feira, dia 20. O Livro a ser debatido é Noite na Taverna, obra póstuma do escritor paulistano Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831 - 1852), publicada em 1855, três anos após sua morte prematura, aos 20 anos, vitimado pela tuberculose (agravada pelas sequelas de um queda de cavalo, embora sua causa mortis cause debates até hoje). Aliás, todas as obras de Azevedo são póstumas, como Lira dos Vinte Anos e Macário.
A bem da verdade, Noite na Taverna, assinado com o pseudônimo de Job Stern, não foi concebido como livro a ser publicado pelo jovem, prodigioso, genial, culto e notável aluno poliglota da Faculdade de Direito de São Paulo (do Largo do São Francisco), mas sim para correr de mão em mão entre seus colegas "iniciados", ou seja, os integrantes da Sociedade Epicureia que, como o nome sugere, era dedicada aos prazeres terrenos - o conteúdo do texto (formado por contos emoldurados na estrutura de uma novela), recheado de depravações e abominações regadas a álcool e sexo, estava bem ao gosto dos orgiásticos e boêmios discípulos do filósofo grego Epicuro (341 - 270 a.C.). A leitura é truncada no conto inicial, Uma noite no século, pois nele há muitas referências a autores e filósofos da época, mas não desistam, visto que o livro é pequeno e a leitura flui pelos outros seis contos.
Apesar do que escrevi acima, Noite na Taverna não é um livro de sacanagem, mas sim de terror, sendo considerado, pela academia e a crítica especializada, um clássico do gênero, pioneiro no Brasil. A propósito, mesmo ressaltando que faltam elementos no livro para categorizá-lo como gótico, diz a pesquisadora Ana Paula Santos: "Na literatura do medo, temas considerados estranhos, ou tabus, como os apresentados em Noite na Taverna, são constantes. (...), nesse subgênero, há maior facilidade de se abordar e criticar qualquer tipo de diferença, distinção ou monstruosidade presente na nossa sociedade, e que não só chocam e impressionam o leitor como também são capazes de amedrontá-lo. Nesse tipo de literatura há um largo espaço para que se fale dos temas mais sórdidos" (Martins, 2019, p.109). E Azevedo não pegou leve, pois em sua novela temos incesto, necrofilia, assassinato, canibalismo e infanticídio.
Um autor situado dentro do período que se chamou de ultraromantismo e influenciado pelo poeta inglês Lorde Byron (1788 - 1824) - que "incentivou" Mary Schelley (1797 - 1851) a escrever Frankenstein (1818) -, Álvares de Azevedo, 45 anos após após sua morte, em 1897, foi eleito patrono da cadeira número 2 da Academia Brasileira de Letras, honraria que partilha com seu amigo e colega de faculdade e de Sociedade Epicureia Bernardo Guimarães (1825 - 1884), autor do romance A Escrava Isaura (1875) e patrono da cadeira número 5.
Poucos dias antes de falecer, publicou um pungente poema epitáfio literário, intitulado Se eu morresse amanhã:
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que amanhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que doce n'alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o doloroso afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
Referência:
MARTINS, Romeu. Medo imortal. Rio de Janeiro: DarkSide Books, 2019, 464 p.
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Como podem ver na imagem abaixo, o CLUBE DO LIVRO DE CHARQUEADAS em 2023 promoveu a leitura de nove obras, num total aproximado de 2.227 páginas, conforme levantamento da Biblioteca Municipal Vera Gauss. Acrescentando-se a lista Mulherzinhas (Louisa May Alcott), em janeiro, e Noite na Taverna, são agora onze livros e aproximadamente 2.512 páginas que, com a leitura de O Retrato de Dorian Gray (Oscar Wilde) - a ser debatido em 20 de março -, passarão a mais de 2.700.