João Adolfo Guerreiro
Descobrindo a verdade/ sem medo de viver/ A liberdade de escolha/ é a fé que faz crescer.
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O tempor(e)al, a santa e a escritora

 

O vento ruge vigorosamente na noite escura e a chuva vem forte. Natureza pura, ausência de luz artificial e sem água encanada. Pelo vidro da janela o clarão dos raios inunda o quarto, sob a trilha sonora dos trovões e da gritaria alvoroçada das árvores sacudidas pela tormenta. Os gatos quietos e de olhos arregalados na área de serviço e os cachorros enovelados em sua casa. Tensão. Adormeço, mesmo assim, pela fadiga da faina diária.

 

Acordo, ainda é noite. Tudo escuro e calmo. Passou. Tudo normal na casa: pessoas, bichos e coisas; água e luz. Graças a Deus, viva Santa Bárbara, santa de Charqueadas. No telejornal, em tempo real, o caos do temporal: árvores arrancadas, casas destelhadas, pessoas desabrigadas, ruas alagadas, cidades fustigadas. Pela manhã, novo dia, aniversário de parente quase oitentão: assar salsichão e comer com pão. Todo mundo bem na família, na rua e no bairro. Graças a Deus, viva Santa Bárbara, santa de Charqueadas.

 

Bárbara nos protegeu? Rogou e intercedeu por nós? Seu feriado ainda é observado... Quem sabe? Nunca se sabe, só se pensa que se sabe, seja assim ou assado. Enfim: tem-se fé ou se acredita, e até quem duvida tem dúvida de seu duvidar - tudo é saber e ignorância, relativas. Os céticos duvidam espistemologicamente da validade do conhecimento tido como verdadeiro; sempre há uma explicação e um paradigma a ser quebrado, processo dialético de sínteses infinitas.

 

No temporal, em tempo real, apenas vivemos, sabemos, cremos, acreditamos, ignoramos e duvidamos. "Quem vive, sabe", escreveu a escritora. Sabe o que, Clarice? Que na hora da estrela todos os gatos são pretos na noite sem estrela e sem lua? Que os salsichões tem de ser bem assados?

 

Clarice fica quieta, não responde. Bárbara sorri, enigmática, em resposta. Vá saber...

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 17/01/2024
Alterado em 18/01/2024
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