Sou um escritor do período da transição do papel para a tela virtual, esse onde vivemos e (alguns) escrevemos. Logo, sei do que falo, ou melhor, sobre o que escrevo. Criei-me lendo em papel e é difícil largar deste.
Ontem saía do banco e um amigo viu no cesto da minha bicicleta o jornal do dia e disse: "Bah, tu ainda é desses que lê jornal". Depois, relatou-me que não acompanha mais notícias porque não consegue ficar com os olhos grudados no celular pesquisando por essa mídia. Sei como é. Permaneço lendo jornal apenas em papel, compro todo dia, no virtual sigo apenas o Portal, no mais são redes sociais, Google e You Tube, pois daí é igual vídeo e lembra a televisão e os VHSs e DVDs.
Mas e escrever? Puxa vida, é bem diferente, principalmente para uma pessoa que foi formada literariamente lendo os cronistas em jornal impresso e cujo sonho era ter uma coluna pra chamar de sua algum dia, coisa que, felizmente, consegui e que deu uma satisfação ímpar em minha vida. Há mais de trinta anos escrevo pra jornal, iniciando no impresso. Só passei para o virtual porque o Portal deixou o papel e, também, por já estar acostumado com a interação literária no site Recanto das Letras, o que permitiu uma adaptação para o novo modelo. Fosse de outra maneira, acho que teria saído de cena, tal qual os dinossauros.
São grandes as diferenças, mas citarei apenas duas. Primeiro, um erro publicado numa página impressa é um erro para a eternidade, não tem como retificar. Adorava isso, era uma tensão que exigia extrema atenção. Hoje, se sair um erro, a gente vai lá e corrige depois. Relaxa. Segundo, antes tu escrevia e só ficava sabendo o que as pessoas pensaram se elas viessem e te dissessem, o que não era algo comum, ainda mais pra te falar algo pesado, arriscando a ter de sair no braço. Nos dias que passamos os caras vão lá e comentam cada barbaridade de uma forma agressiva que duvido tivessem coragem de dizer na lata. Pior: juntam-se, atacam-te em bando como se fossem marimbondos virtuais - os tais marimbondos de fogo do Sarney? -, daí fica difícil de responder, da mesma forma que seria caso fosse uma multidão te emparedando num beco. Uma traça em tempo de transição, enfrentando marimbondos virtuais de fogo.
Todavia, cá estamos, escrevendo e andando, tocando a vida literária em frente. Chego a conclusão de que as pessoas "do papel" estão "condenadas" à prisão perpétua da tela virtual, só os livros lhes consolarão, mas isso é assunto para outra crônica.