João Adolfo Guerreiro
Descobrindo a verdade/ sem medo de viver/ A liberdade de escolha/ é a fé que faz crescer.
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Textos

O buraco

 

No meio da minha rua havia um buraco, havia um buraco no meio da minha rua, esta passada.

 

Não bem no meio, na verdade era mais para o canto e invadia a calçada próxima da padaria, embora, por baixo do asfalto, chegasse quase no meio mesmo - um perigo. Acordei, saí pela Cecílio Rocha, atravessei a José Rui de Ruiz e entrei na Distrito Federal pra comprar pão e lá estava o buraco, na minha rua - considero Cecílio e Distrito como uma via só, que vai da São João da rótula até o Jacuí.

 

Um belo dum buraco, bem grande, um buracão. Buraco de respeito! Bem no Centro da cidade. A água corria por seu interior, vinda de um cano. Logo, poderia, no futuro, se criar uma floresta dentro dele e eu poderia levar a bebê para passear por lá, fugindo do calor do verão - a bebê adora lugares estranhos, tenho de ficar sempre de olho nela. Alemoazinha danada!

 

Era o assunto das redondezas ou quadradezas (o mais apropriado, pois só conheço quadras no Centro), como queiram: Tu viu o buraco, João? Sim. Que buracão, né? Sim, enorme. Um buraco de respeito! Ficou famoso, as pessoas de outros bairros vinham de carro correndo risco só para conhecê-lo e admirá-lo: Oh, que buracão! Sim, em sua efêmera existência, o buraco teve momentos de prestígio e glória, como se fosse uma atração de circo, circo urbano, de rua, literalmente.

 

Cheguei bem perto, curioso que sou, e olhei bem para o buraco. Ele olhou de volta e pediu: Fotografa-me, João, fotografa-me. Atendi-o, claro, eis que era um belo de um buraco, um big buraco, um buraco de respeito que deveria ser respeitado e, portanto, atendido em suas vontades. Todavia, por maior que fosse, teve uma curta vida o buraco após nascer e dar o tamanho de sua graça para Charqueadas e o mundo: o pessoal da prefeitura, depois de dois ou três dias, trancou a rua e veio de retroescavadeira o tapar. Voltava do almoço com a bebê, vindo pela rua José Luiz Lague, e testemunhei: foi-se o buraco. Esse pessoal impiedoso da prefeitura, que tarda mais não falha ou, mesmo tardando e falhando, vem igual. Eles sempre vem, nunca faltam, para infortúnio do buraco. A bebê abanou a mãozinha branquela para o adeus: Tchau buraco, tchau caminhão. Ela achou que a retroescavadeira era um caminhão. Deixa assim, quando crescer eu explico a diferença, quando for revelar que Papai Noel, Cegonha e almoço grátis não existem.

 

Vai ficar na minha memória, como tantos outros antes dele, o buraco. Nunca mais esquecerei daquele buraco que ficava no canto da minha rua e bem no Centro de Charqueadas, próximo da padaria. O local onde nasceu será seu cemitério, pois os buracos, embora não possuam corpo, são igualmente enterrados. Passarei pela calçada beliscando pão novinho, crocante e queimadinho (adoro) e lembrarei dele, do saudoso buraco. Enquanto escrevia essa crônica tomei um latão de Original em brinde ao buraco - tudo é motivo para cerveja.

 

Um bom findi para todos. Cuidem-se, vacinem-se, usem máscara nos locais indicados, olhem onde pisam, não caiam em buraco, vivam e fiquem com Deus.

 

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 23/11/2023
Alterado em 28/11/2023
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