Se da última vez que o Clube do Livro de Charqueadas se reuniu ficou em aberto a questão sobre Frederick Clegg ser ou não psicopata, agora foi a de Simão Bacamarte ter ou não ficado louco. Afinal, o renomado e famoso alienista da Casa Verde de Itaguaí, o maior do Brasil, Portugal e Espanhas, magistralmente retratado no conto/novela de Machado de Assis, pirou na batatinha da ciência ou viajou na maionese da ideologia, endoidecendo ou fanatizando-se? Eis a questão... Já leu O Alienista (exemplares da foto acima, de Carina Pahim Teixeira)? Qual sua opinião a respeito?
Machado de Assis critica impiedosamente a validade epistemológica da ciência, a mediocridade do poder político e as pessoas como elas são por trás das máscaras sociais que regem a convivência entre humanos adultos. A população e os políticos se rendem e se submetem à fama do médico e cientista Simão Bacamarte, cujo conhecimento - supremo deboche machadiano - não serviu nem para escolher uma mulher apta a engravidar e dar seguimento à família Bacamarte, embora personifique o poder real na cidade. Tudo farsa e engodo, mesmo quando sinceros. Aliás, o alienista é o único personagem publicamente transparente e sincero de O Alienista, aquele que viveu como quis e desejou, casado com sua obsessão científica e feliz do ínicio ao fim, aparentemente.
Cabe aqui uma breve reflexão especulativa: de Frankenstein (1818) à O Colecionador (1963) e passando por O Alienista (1882), todos os livros escolhidos pelo Clube se debateram com questões próprias da Revolução Industrial e seus efeitos na sociedade, como ciência, poder e loucura. Daqui mil anos verão todo esse período como uma coisa só, talvez, para além das evoluções tecnológicas do período que, para nós de 2023, tornam Mary Schelley mui distante de John Fowles - "Só que não", dirão os analistas dos anos 3.000, possivelmente.
Sobre o autor: um milagre e um prodígio brasileiro e de seu tempo, Machado de Assis. "Mulato", gago, epilético, pobre e sem curso superior, é o maior escritor brasileiro de todos os tempos e considerado, pelo famoso crítico literário estadunidense Harold Bloom, "gênio" e "o maior literato negro surgido até o presente" no mundo. Uau syl! Ironicamente, viveu e morreu considerando-se e sendo considerado (pela frente das máscaras) branco. Em sua certidão de óbito consta "homem branco", embora os colegas escritores comentassem (por trás das máscaras), nas cartas sobre seu falecimento, que era verdadeiramente um "mulato". De fato, seu pai era "mulato" e sua mãe branca, ambos alfabetizados. Falava fluentemente inglês, francês e latim, todos aprendidos fora dos bancos escolares. Tem razão Bloom: um gênio!
Dia 27 de setembro o Clube do Livro de Charqueadas se reunirá para debater o tenso e fantasmagórico O morro dos ventos uivantes (1847), da inacreditável Emily Brontë. Falarei mais sobre ele e ela daqui umas semanas. Por fim, deixo o vídeo do caso especial da TV Globo O Alienista, de 1993, uma boa pedida para quem deseja saber mais sobre o conto de Assis, tendo ou não o lido. Afinal, Simão enlouqueceu? Capitu traiu ou não traiu? Ops, essa última não vale aqui, pois é de outro livro do genial Bruxo do Cosme Velho.