Os marcianos do Parcão
Um ET verdinho de Marte, do tempo em que os supostos ETs habitantes de Marte eram concebidos como humanoides verdes. Em 1963, há 60 anos, ainda havia espaço para isso, para ETs marcianos verdinhos, eis que Armstrong só pisaria na Lua em 1969. Foi o ano da publicação de O Colecionador, de John Fowles, que, ao contrário dos marcianos, ainda conversa com a realidade de nosso tempo e não está relegado a ser apenas decoração de jardim. Alguns livros, obras de arte, são atemporalmente mágicos de tão bem escritos.
Estávamos lá nós ontem, na Biblioteca Municipal Vera Gauss, debatendo O Colecionador, às 19 horas de uma noite fria, na quarta reunião do Clube do Livro de Charqueadas em 2023. Quase coisa ultrapassada esse negócio de livro, quase decoração de jardim. Entretanto, enquanto as pessoas se reunirem pra conversar em volta das mesas e bancos de pedra do Parcão, intrepidamente trajando bermuda para enfrentar o vento das noites de inverno - devia estar ótimo aquele papo -, haverá espaço para os que gostam de ler e conversar sobre livros. O mundo é dos diferentes e dos corajosos, que apreciam uma boa conversa em qualquer tempo e espaço, eh eh eh eh eh.
Afinal, o "simpático bandido bom" Frederick "Ferdinand" Clegg é ou não um psicopata, doutor Guido Palomba? Pois então, essa questão dividiu opiniões literárias entre os presentes. E outras. Ele amava Miranda ou amava o sentimento bom que Miranda o fazia sentir, amor egoísta? Miranda era a sua doença, como ela mesma disse? Ela estava com a Síndrome de Estocolmo, que nem ainda existia na época? E G.P., era um pintor veterano chato que só queria levar a estudante de artes Miranda pra cama? Ou era um quarentão perdidamente apaixonado pela loura linda, assim como seu raptor e vassalo, o funcionário público Clegg? E quem era mais mentiroso e arrogante em sua versão dos fatos, Frederick ou Miranda? Ele era impotente e ela era frígida, os dois virgens? Ele teve ou não teve uma ereção? E o que ela fez pra tentar tornar a hora h Hora H(ot) que o deixou tão escandalizado assim? Especulações das especulações em um livro calcado nas distinções de classe da Inglaterra dos anos 1960 e nas relações de poder entre os indivíduos e os sexos, movidas a dinheiro, cultura e berço. Concorda com o que Sthepen King escreveu no prefácio da edição da Darkside? Por que tanta referência cultural erudita na segunda parte? Interminável... Muito pouco para apenas duas horas.
Foi bom, muito bom o debate. Melhor do que ganhar na loteria esportiva. Todos saíram satisfeitos, ao contrário de Miranda, Clegg e G.P. "Foi tudo tão bonito, mas voou pro infinito, parecido com borboletas de um jardim". Ah, aliás: Miranda era como uma borboleta rara para Frederick, que a queria viva, mas morta no porão do amor e da dor? Não importa, mês que vem tem mais, muito mais, pois "borboletas sempre voltam e o seu jardim sou eu". Dia 16 de agosto, na mesma Bat Hora e mesmo Bat Local, será a vez de O Alienista, de Machado de Assis - o Bruxo do Cosme Velho - ser debatido no Clube do Livro de Charqueadas. Até lá, rumo à Casa Verde, caros marcianos.
Um bom final de semana para todos. Cuidem-se, vacinem-se, vivam, leiam e fiquem com Deus.
