Leva de 45 à 50 minutos uma viagem de ônibus de Charqueadas a Porto Alegre. O tempo exato para se fazer uma porção de coisas...
Pensar na vida, ler algo, tirar uma soneca, visitar as lembranças... Minha mãe levava eu e minha irmã, quando pequenos, para a capital. Embarcávamos lá na Colônia, o Vitória entrava e pegava os passageiros em frente à igreja. Íamos no banco da janela e ela ao lado, no corredor. Contávamos as vacas pela viagem, dentre outros deleites infantis. Porto Alegre era tão diferente da Colônia da Rua da Paineira, da beira do Jacuí, do Casarão, da PEJ, do quartel da brigada do tenente Nelson, da igreja do padre Vilmo, da terreira do seu Caldeira, da tenda da dona Jussara, do Ramiro Barcellos da diretora Chiquita, do zelador Darci e das professoras Bete e Liliane. Era enorme, gigantesca, com ruas movimentadas e intermináveis e prédios altos. O das tias paternas Nazinha e e Lizett, Astarte, na rua Santo Antônio, era um desses. O apartamento ficava no terceiro andar e a gente subia de elevador! Uau syl, que barato, era o máximo! Íamos até lá de táxi laranja, fucas sem o assento do carona, com taxímetros mecânicos e manuais, muito modernos. Outro mundo, outro planeta, outra galáxia.
Seguido, quando sento na poltrona do Vitória e vou pra lá, essas memórias vem, principalmente agora que a maioria dessas pessoas está estacionada no Júlio Rosa, em viagem só de ida, rumo à eternidade. Minha irmã é viva, mas mora em outra casa, tem a vida dela e a família dela. Tudo passa. Era um tempo bom, onde nossa mãe nos olhava e sorria, o sorriso mais lindo do mundo, emanando, incondicionalmente, amor, ternura, acolhimento, segurança, conforto. As tias nos recebiam com doces e nos enchiam de mimos. A Porto Alegre de minha infância era uma festa nos 1970, assim como a Paris de Hemingway de 1920. Não havia shoppings, mas sim as bancas do Mercado Público, as lojas de departamentos e os cinemas de bairro. Mas bah, quando íamos ao cinema, daí sim, a festa era completa. Éramos felizes e sabíamos.
Logo, sempre que vou a Porto Alegre de ônibus sinto um prazer arraigado em minha alma, que remonta às minhas origens. Faz um bem danado, ô se faz! Chego, como algo na rodoviária e circulo pela cidade, que ainda me desperta encantamento. No retorno o mesmo prazer, aquele espaço de tempo em que dá pra descansar e aproveitar a vida, furungando um livro, gibi ou revista recém comprados, livre de qualquer demanda. É sentar e relaxar durante a viagem de volta, usufruindo daquilo que considero um dos prazeres da minha vida, desde sempre. A vida não volta atrás, mas pode ser bela nas coisas simples, triviais e corriqueiras do cotidiano.