O frio entra por baixo da porta e esfria a sala logo pela manhã bem cedo, ainda escuro. Cadê a "cobrinha" que estava ali? Ah, o gato urinou nela, o danado, em protesto por morar na área de serviço. Como está o frio aí, gato canalha? Roe essa ração e te abafa, mião mijão. Ainda nem chegou o inverno, meu chapa.
O café preto passado fumega na xícara e o roupão aquece o corpo. A literatura me chama. O que é, literatura? Tá, ok, já escrevo uma crônica. Sei, tudo pode virar crônica. Tudo mesmo! Ah, não, sobre isso não escreverei, a esta hora da manhã. Nem em horário algum! Não sou chegado nesse tipo de tema, muito nojento. Vou sair para pedalar agora, bem agasalhado. Sem motor, mais amor, mesmo sem calor. Eu sou gaúcho raiz, tchê, não me mixo pra frio.
A mulher pede pra "botar o lixo na rua, viu querido". Tá, coloco. "E junta o cocô dos cachorros". Tá, junto. Lixo e cocô, que jeito romântico e bucólico de começar uma terça-feira fria. Mas sem cheirar mijo de gato, ouviu, gato? Vou comprar outra "cobrinha" hoje e rir da tua cara até setembro chegar, eh eh eh eh. Pelo menos agora são só dois cachorros defecando pelo pátio, antes eram três. Não, nem morreu nem fugiu o outro, minha filha o levou pra casa dela. E levou a neta também. Um cocô de cachorro a menos pra limpar e sem fraldas de criança cagadas pra trocar. Sinto falta das fraldas, mas agradeço por menos cocô de cachorro.
"Tchau, amor. Não esquece do lixo e do cocô dos cachorros". Como esquecer, amor? Inesquecíveis! Coloco as roupas e saio pra área de serviço. O gato me fita, olhar felino de ódio. O que é, quer ficar sem ração? O cachorro velho está lá, amontoado com a cadela nova na casinha, dormindo. Mas ah veterano, dos meus confirmado! Teus cocôs eu recolho com gosto! Tá, com gosto não, né? Com consideração. Tu merece, amigo velho e companheiro.
Tudo feito, subo na bicicleta. Puxa, esfriou hoje e o outono ainda nem terminou! O que é, gato? Tá rindo de quê?