João Adolfo Guerreiro
Descobrindo a verdade/ sem medo de viver/ A liberdade de escolha/ é a fé que faz crescer.
Capa Meu Diário Textos Áudios Fotos Perfil Livros à Venda Livro de Visitas Contato Links
Textos

Nãna

 

A primeira vez que a bebê acompanhou meus movimentos pelo quarto com os olhos foi inesquecível. Coisa boa ser notado por alguém que a gente ama e, ao mesmo tempo, perceber isso como evolução sua. Depois, o sorriso e a fala.

 

A primeira palavra que disse foi "gaaaaatu", assim, esticando o "a" e pronunciando secamente a última sílaba. A segunda foi "ãnãna", que significava banana. A terceira, não sei bem como construiu isso, foi nãna, apontando pra seu potinho de água quando tinha sede. Suspeito que diminuiu o ãnãna uma vez, deu certo e depois continuou. Todavia, como assim, chamar a água de nãna? Mas a gente entendia: a fome em geral era "ãnãna" e especificamente a sede "nãna". Depois vieram outras, mas essas três ficaram gravadas nas mais doces memórias afetivas.

 

Viu o rio e bateu de pronto: "nãna". Fomos à praia, colocou a vista no oceano e "nãna". Muita nãna, no caso, eh eh eh eh eh. Choveu e "nãna". O bebedouro dos gatos e dos cachorros, "nãna". Balde cheio, torneira ligada, toda a água era "nãna". Como os pais já a educavam em inglês, ela era trilingue para a palavra, ou seja, nãna (bebenês), água (português) e water (inglês). O interessante é que a bebê já identificava tudo como o que realmente era, nãna. Formas diversas, mas tudo nãna.

 

Nós, adultos, as diferenciamos para saber exatamente do tipo de nãna que estamos a comunicar: copo d'água, bebedouro, poça d'água, sanga, rio, lago, oceano, chuva, etc. E parece que, ao fazermos isso, pelo visto, esquecemos da totalidade que elas representam: nãna! Por isso sujamos a nãna que bebemos: parecemos, ao diferenciar na linguagem, esquecer de onde vem a nãna que sai da torneira, pelo jeito que a maltratamos, poluindo-a inadvertidamente. Esquecemos que a natureza e uma totalidade em permanente processo de interação e mudança?

 

Lá na praia, a bebê, balançando em seu equilíbrio incerto, observava a chuva pelo vidro da área e dizia: "nãna". Após, dirigia os olhinhos para o imenso oceano rugindo, esticava os dedinhos para ele e repetia: "nãna". Sim, bebê, tu estás certa, é tudo nãna, mesmo. Totalidade.

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 12/04/2023
Alterado em 12/04/2023
Comentários