Comprei tempos atrás, em Porto Alegre, nas Americanas, umas cuecas samba-canção de cetim. Adorei aquelas cuecas, achei-as lindas e a mais legal, a que encantou os olhos, tinha um problema: só havia uma e o tamanho não era bem o meu, mas, mesmo assim, ao ver que serviria de boa, sem apertar, comprei. O que sabem esses costureiros e vendedores? Nada! Deixa eu com a minha cueca, oras. Bom, depois vim a descobrir o motivo do tamanho dela ser inadequado: rasgou, de cima a baixo, na frente e atrás, ao me agachar vestindo-a. Não lacrimejei, mas minha decepção já se reparava. Snif snif, minha cueca barata samba-canção verde de cetim, rasgada.
Porém, como sou um cara insistente, passei a usar a cueca mesmo assim, com uma Zorba da mesma cor (verde) por baixo. Qual o problema de usar uma cueca rasgada? Se a Americanas deve bilhões no mercado e está por aí, toda catita, de boa, então deixa eu com a minha cueca, oras. Gente, é muito linda aquela cueca e, da forma que eu uso, dá pra ficar à vontade em casa, por exemplo. Minha cueca barata samba-canção de cetim rasgada, isso é tudo o que importa, protege meus balangandãs que a terra, sem o mínimo pudor, piedade ou constrangimento, defenestrará deste mundo. Como já tive parente que pediu pra ser - e foi - enterrado pelado, daqui umas boas décadas - espero - posso pedir para ser embalado deste mundo com minha cueca samba-canção barata de cetim rasgada. Por que não? A dúvida será: com Zorba verde ou sem Zorba verde? Não que isso vá fizer qualquer diferença, é tudo uma questão simbólica, mas como não pretendo ir pelado, e sim usando uma calça de praia folgadona, leve e colorida, quem verá os rasgões da cueca samba-canção? Ninguém, além do roupeiro da funerária.
Gatos, sempre os gatos, que bichos danados. Ficam miando em cima do muro e, naquele dia, coincidiu de eu estar em casa com a samba-canção e uma Zorba laranja por baixo. E os gatos também são caras insistentes, quando o lance é comida, são hiper-focados, vixe! Sem me dar conta de como estava vestido, lá fui eu servir aqueles arrogantes peludos de quatro patas e rabo a fim de encerrar o horrível alarido dissonante. Passou uma mulher pela rua enquanto me esticava para colocar a ração nos potinhos dos bichanos - o muro é alto. Olhou-me de um jeito estranho, dei bom dia, mas ela só virou o rosto. Ué, fiz algo pra ela? Não peço dinheiro emprestado pra ninguém e tampouco falo da vida dos outros. Nem a conhecia, também. O que será que foi?
Óbvio que, ao voltar pra dentro de casa e passar pelo corredor, o espelho me lembrou de que estava com a samba-canção sem a Zorba verde. Ah tá, foi isso, então. Do que será que ela não gostou? Da Zorba laranja aparecendo ou da cueca verde de cetim rasgada? Bom, não dá pra agradar todo mundo, não é mesmo? Acho que da próxima vez que for em Porto Alegre, voltarei nas Americanas - antes que ela feche de vez - pra ver se dou sorte e encontre outra igual, só que de número maior;