O curso da vida
Como disse o sociólogo húngaro Karl Mannheim (1893-1947), cada geração nascida numa mesma série de anos é "dotada de uma localização comum na dimensão histórica do processo social" (Giddens, 2012, p. 218), o que significa dizer, grosso modo, que compartilham, para além de uma visão de mundo comum, referência culturais, históricas e sociais que constituíram o pano de fundo em que se socializaram em seu tempo e que influi diretamente no curso de suas vidas humanas.
O conceito de "curso da vida" é histórico, cultural, econômico e social, mais pertinente ao estudo da vida humana do que o de "ciclo da vida", mais próprio ao senso comum e ligado à dimensão meramente biológica do homem. Qual a diferença básica? Os ciclos da vida são meio que definidos naturalmente, tipo nascer, crescer, reproduzir, envelhecer e morrer, enquanto que o curso da vida é diverso para pessoas que nasceram no mesmo tempo e espaço, devido às desigualdades sociais, históricas, culturais e econômicas. Não somente se nasce, cresce, reproduz, envelhece e morre de vários modos em virtude de tais diferenças, mas até mesmo passar ou não por esses "ciclos" é determinado pelas possibilidades ditadas pelo curso da vida.
Mas, voltando a Mannheim, o fato é que, em termos gerais, uma determinada geração compartilha determinado pano de fundo histórico, social, político, econômico, cultural e - uma das principais dimensões hoje em dia - tecnológico. Atualmente, a interação com os avanços tecnológicos é um abismo entre as gerações no mundo sob o signo da revolução digital, pois não é apenas a questão de dominar uma nova tecnologia, mas também que as chamadas tecnologias digitais transformam demais as formas de sociabilidade humana em virtude, principalmente, do tipo de interação social possibilitada pelas redes sociais.
A aposentadoria é um dos momentos chave para os seres humanos, indivíduos históricos e sociais, principalmente dentro das sociedades industriais capitalistas do Ocidente e Oriente. Ela é um evento do curso da vida que está ligado ao ciclo do envelhecimento, insofismável enquanto dimensão biológica, por mais que se relativize isso através de discursos ideológicos com objetivos motivacionais. Fica velho é ficar velho e pronto. Claro que as diferenças no que tange à forma como os velhos se aposentaram - ou mesmo se conseguiram se aposentar - determina em muito o gozo que se terá na velhice, se haverá prazer ou desprazer nessa fase derradeira da vida.
Já viram um documentário que rola na TVE sobre os centenários de Okinawa, no Japão? Lá existem muitos e é por demais interessante e elucidativo ver como isso se dá. É meio que um exemplo de tudo o que escrevi acima sobre o curso da vida, acerca das determinações sociais sobre os ciclos da vida. Recomendo.
