Charqueadas é, todos sabem, uma cidade na beira de um rio. Nasceu assim e por isso, durante o ciclo econômico do charque bovino. É um município que se pode cruzar de norte a sul e de leste a oeste de bicicleta. E, hoje, faz 41 anos de sua emancipação politica.
Muitos trabalhadores assalariados a construíram, dando literalmente sua saúde e até mesmo suas vidas para garantir o sustento de suas famílias. Recentemente, da década de 1950 pra cá, marinheiros, mineiros, pedreiros, metalúrgicos e penitenciários, dentre outros, exerceram a faina diária, insalubre e perigosa. Municipários, comerciários, funcionários públicos municipais e estaduais das mais diversas categorias e empreendedores, todos ergueram esse município com sua força de trabalho, sua responsabilidade, suas ideologias e suas crenças. Uma comunidade se faz de gente, viva, saudável e atuante, que acredita e tem compromisso.
Convivi com todos esses acima. Vi a lida e ouvi as histórias dos mineiros, iniciei como servente de pedreiro, trabalhei no Sindimetal, sou servidor penitenciário, enfim, compartilhei meu tempo-espaço neste mundo, de uma forma ou de outra, com todos esses trabalhadores, cidadãos e cidadãs charqueadenses, residentes na cidade às margens do Jacuí. Nesse período, nada se fazia sem o trabalho assalariado, pois a força de trabalho humana era imprescindível. Isso parece estar mudando, com a revolução digital que gera um desemprego estrutural tecnológico (DET) nunca antes visto pela humanidade, o homem passando a ser paulatinamente prescindível no processo produtivo e, por consequência, excluído da vida econômica. Economistas pelo mundo já escrevem sobre uma futura classe de pessoas inúteis, ou seja, desnecessárias para a atividade econômica.
Charqueadas já experiencia tal realidade. De quarenta e poucos mil habitantes, decaiu para quase trinta e cinco mil conforme dados do Censo Demográfico do IBGE mais recente. Quase sete mil moradores a menos, numa cidade que só crescia! O que é isso? Com certeza fruto perverso do DET, principalmente. Logo, uma cidade que olha para o futuro deve voltar a visão para o seu início, ou seja, o seu rio, sua dádiva, sem "bem" mais valioso, objetivando o bem-estar de sua gente. Vejo a relação com o Jacuí como o grande trunfo de Charqueadas para as décadas vindouras. Nesse cenário, além da promoção de saúde, educação e assistência social, a vocação cultural da cidade terá de ser, igualmente, enfatizada pela prefeitura. Sem ela, não vejo como as pessoas terem alguma qualidade de vida por aqui no futuro que se anuncia.
Nos dias atuais o Parcão é o centro da vida cultural e social da cidade distanciada do rio. Seus equipamentos, além da devida e urgente manutenção (especialmente o Memorial ao Mineiro), devem, portanto, ser ampliados, mesmo que se volte a interagir com o rio de uma forma qualificada. Uma coisa não elimina a outra, são caminhos bifurcados para um mesmo destino. São estas as breves reflexões de um cidadão eleitor e contribuinte da aniversariante, nela nascido, que compartilho com meus conterrâneos nesta data.
Finalizo essa crônica com o didático poema Charqueadas, de Valda Tissot Junqueira, de seu livro Poesia com Data Marcada (2008), onde a saudosa poetiza fez um resgate de tudo isso que escrevi acima, a propósito do aniversário da cidade. Parabéns, Charqueadas!
CHARQUEADAS
Charqueadas do Jacuí,
este rio que em suas margens
viu a indústria do charque
prosperar e se extinguir.
Depois veio o trem de ferro
resfolegando nos trilhos,
carregando em seus vagões
o carvão que era extraído
das minas da região.
O carvão era exportado
pelo porto do lugar,
para nossa capital
e outros estados do Brasil.
O povoado progrediu,
ficou com ares de vila.
Clube, igreja, grupo escolar,
o comércio se expandiu.
Pescadores, marinheiros,
maquinistas, operários,
trabalhavam arduamente
trabalhavam sem cessar.
Até que foi decidido
a abertura de um poço
para extração do carvão,
aqui, pertinho do porto,
à beira do Jacuí.
Carvão, o "ouro negro"
fez prosperar a Vila,
gerando energia elétrica,
produzindo aços finos,
gerou, também, mais empregos
para o povo do lugar.
Valentemente o mineiro,
no escuro do sub-solo
enfrentava grandes riscos.
Muitos perderam a vida,
mas outros sobreviveram.
Lembremos esses heróis
com eterna gratidão.
A população cresceu.
A vila, agora distrito,
viu seu povo ir às ruas
pedindo emancipação.
Hoje a Cidade respira
um ar de felicidade,
comemora a cada ano
a sua maioridade.