Charqueadas, 14 de fevereiro de 2023. Ontem ao final da tarde passeava pela avenida 1º de Maio. Indo pela calçada do Clube Tiradentes, ao chegar na altura de onde ficava a Banca do Povo, lembrei da dona Loivaci, sua proprietária, que nos deixou há cinco anos, em fevereiro de 2018. Grande figura do cotidiano charqueadense por décadas. Que falta fazem ela e sua banca (foto acima, dias após seu fechamento) - que encerrou atividades em dezembro de 2016, devido ao seu estado de saúde.
Recordei também do saudoso Larri Lopes, dos muitos papos que nós três batemos ali, irmanados pela leitura. O coração não esquece daqueles que nos foram caros. Pensei em escrever algo sobre a data, dada a importância que dona Loivaci teve para várias gerações de leitores charqueadenses e da região Carbonífera, em sua homenagem, mas então lembrei dessas duas crônicas abaixo, publicadas no jornal Portal de Notícias. Entendi que republicá-las seria o melhor a fazer, a propósito.
Na primeira crônica, de julho de 2018, falo de seu enterro, cinco meses após o mesmo; na segunda, primeiramente publicada em janeiro de 2017, escrevo sobre o fechamento da Banca do Povo e a biografia profissional de dona Loivaci - texto republicado quando de seu falecimento, em 12 de fevereiro de 2018, que é a versão que se segue.
Balões ao céu no entardecer
Por João Adolfo Guerreiro 10/07/2018 - 21:47 hs
A vida muda rápido. Em apenas um ano e dois meses a banca fechou, o jornal em que escrevia parou de circular e a proprietária da revistaria faleceu. Quanta mudança. Um mundo inteiro se foi.
No velório, um vento frio, estranho a um fim de tarde de fevereiro, soprava incomodando as pessoas, que trajavam roupas leves. Quando o cortejo saiu da casa mortuária para o cemitério ao lado, um céu azul escuro e translúcido, levemente avermelhado num ponto extremo a oeste, onde o sol se escondera, compunha o cenário fúnebre. Toda uma vida estava sendo depositada ali, dentro daquele caixão, no sepulcro: 79 anos, 65 deles dedicados à atividade comercial ligada à palavra impressa em papel: jornais, revistas, gibis, palavras cruzadas. Dos 65 anos, 42 ligados à banca.
Enquanto o pedreiro terminava de lacrar a abertura do local onde a falecida se juntaria eternamente ao marido que há décadas a aguardava, o violinista contratado pela funerária solava o hino do Grêmio, alusão à sua paixão tricolor. Ela, inclusive, comparecera, em 1954, à inauguração do estádio Olímpico, hoje desativado.
O vermelho sumira, agora apenas o azul dominava o céu. Familiares soltaram balões brancos que o vento frio fez subir e levou ao longe. Um belo e expressivo momento, apesar do pesar. Deu a volta e começou a ir embora, triste, acompanhando com o olhar os balões apequenarem-se gradativamente no horizonte. A comerciante, o estádio e a palavra impressa em papel sumiam, metaforicamente, junto com eles.
A vida pode mudar muito em um ano.
Falece, aos 79 anos, Dona Loivaci, da Banca do Povo
Por João Adolfo Guerreiro 12/02/2018 - 11:33 hs
Personagem conhecida e querida na comunidade charqueadense, a Sra. Maria Loivaci de Lima faleceu. Há pouco mais de um ano, em dezembro de 2016, devido a problemas de saúde, desativou a tradicional Banca do Povo, da qual esteve à frente desde setembro de 1975.
Republico crônica de janeiro de 2017, publicada aqui no Portal, sobre os mais de 65 anos de atividade comercial de dona Loivaci. Como ela nunca quis ser fotografada a fim de ilustrar uma matéria de jornal, a ilustramos com a imagem da Banca do Povo (logo após seu fechamento), seu legado. Permanecerá na lembrança de gerações de charqueadenses.
Fica com Deus.
O sepultamento será no Cemitério Júlio Rosa, em Charqueadas, às 18 horas.
Dona Loivaci, a Banca do Povo
Desde setembro de 1975 a avenida 1º de Maio, no centro de Charqueadas, era o endereço da Banca do Povo. No início, consistia numa peça de madeira no local onde hoje está a agência do Bradesco, ao lado da praça.
Em 1976 passou para o local onde permaneceu por mais de 40 anos, o número 565, do outro lado da avenida, numa pequena edificação de alvenaria no terreno nos fundos do Clube Tiradentes, cedida pelo então presidente Lorival Vieira.
Durante todo esse período esteve a frente da banca, atendendo e gerenciando o negócio, a senhora Maria Loivaci de Lima. Nascida em agosto de 1937, viúva de Nelson "Patinho" e mãe de cinco filhos, dois homens e três mulheres, Loivaci trabalhou por 65 anos na atividade comercial, até junho do ano passado, quando teve de se afastar por motivos de saúde, deixando provisoriamente a filha Nedi em seu lugar.
Dona Loivaci começou a trabalhar aos 13 anos num estabelecimento misto de armazém e loja, de propriedade da senhora Claudina Andrioti, em Charqueadas. Já casada, teve armazéns em São Leopoldo e Canoas, antes de voltar para a cidade e abrir o Armazém Tricolor, na rua Ricardo Louzada (aliás, gremista apaixonada, foi na inauguração do Estádio Olímpico, em 1954). A partir de 1961 passou a ajudar o marido no controle de assinaturas e vendas dos jornais Correio do Povo, Diário de Notícias, Folha da Manhã e Folha da Tarde, dos quais o senhor Nelson era representante.
No início da Banca do Povo, ela ia a Porto Alegre buscar revistas toda sexta-feira. Em seguida contatou um distribuidor de Montenegro e, após um tempo, um de Santa Cruz do Sul, que a acompanhou pelas décadas seguintes. "Nunca foi pelo dinheiro, mas sim pelo conhecimento, pelo papo com as pessoas", revela acerca da motivação pelos 65 anos de serviço e 41 de banca. Por tal motivo, mesmo aposentada desde 1998, só parou de trabalhar agora que sua saúde não mais permite.
Possuía clientes oriundos de todos os municípios da Região Carbonífera. Alguns passaram de pai para filho, outros mudavam de cidade mas continuavam comparecendo à banca. Havia aqueles que vinham uma vez por mês buscar suas revistas, periódicos que eram o carro chefe de vendas, principalmente as de horóscopo, novelas e cruzadinhas, juntamente com gibis de super heróis e com cerca de quarenta exemplares do Diário Gaúcho, todos os dias. Nos anos 1970, a edição de domingo do Correio do Povo vendia cerca de cinquenta jornais.
De negativo, recorda de quatro arrombamentos, dois alagamentos e alguns pequenos furtos. Nada que arrefecesse sua dedicação ao trabalho que tanto gostava e do qual, ressalta, sente muita falta. Entretanto, saudade maior é a dos clientes por ela, agora órfãos da figura gentil e agradável atrás do balcão da Banca do Povo. Dona Loivaci era a banca! Eram indissociáveis sua figura e a do seu comércio. Deixa uma lacuna na vida cultural de Charqueadas, eis que, dia 17 de dezembro passado, o estabelecimento, único do tipo a cidade, encerrou atividades, como mostra a foto nesta coluna.
Fica a boa lembrança de muitas pessoas, entre elas esse que vos escreve, que buscaram, por décadas, entretenimento e informação no prazer da leitura na banca de dona Loivaci.