Ontem fui à ótica buscar meus óculos e entrei pra turma. Sou, desde então, um faceiro "quatro-olho, dois de vidro e dois de molho" - podem debochar, não ligo, adoro. Estou me achando um charme, não saio da frente do espelho que, agora, sacaneia-me: "Viu, João, tu não tava tão bem assim quanto pensava, eh eh eh eh eh". Em compensação, a primeira pessoa para quem olhei de óculos foi minha neta e constatei que ela é ainda mais ninita do que eu a via. "Valeu a pena, ê ê".
Agora sei exatamente porque o Herbert Viana cantava: "Se eu tô alegre eu ponho os óculos e vejo tudo bem Mas se eu tô triste eu tiro os óculos, não vejo ninguém". É uma baita duma diferença. Minha redução na visão, percebida inicialmente durante as leituras de jornais, revistas, livros e na internet, começou em 2018 e fui procrastinando, cheguei a ir ao médico, mas, depois, resolvi não arriscar voltar ao oftalmologista com o vírus por aí, à espreita dos diabéticos. Fui me virando com lupas, que se tornaram minha marca registrada por onde ia. De todos os tamanhos e para todas as ocasiões, ficou até um pouco folclórico isso, mas não ligava - não sou o tipo de pessoa que se importe com opiniões alheias sobre minhas manias, vivo e deixo viver, dando risada. E, confesso, estava bem feliz e satisfeito com as lupas, pois para longe minha visão ainda é ok.
Como estava com uma alergia nos olhos e fui obrigado a voltar ao consultório, decidi: Tá, é o momento, chegou a hora. E foi. Deveria ter ido antes, burro teimoso. Descobri que a gente vai se adaptando e se acostuma com as coisas, que o ser humano é muito bom nisso, até por isso sobrevive nas piores condições. Viver é sobreviver e, sobreviver, é se adaptar. Contudo, quando olhei a proteção de tela do meu compu e exclamei "Vixe, tem até casas ali!", constatei que voltei a ser criança descobrindo as cores e as formas do mundo.
Estou adorando tudo também visto sempre ter achado bonito gente de óculos. Minha esposa, quando a conheci, usava óculos. E andava de bicicleta. Mulheres de óculos, andando de bicicleta, são irresistíveis, uma tentação. Até escrever, obviamente, está melhor. Não confundo mais ponto com vírgula no teclado e nem ponto e vírgula com dois pontos. Uau syl, agora ninguém me segura.
"Eu não nasci de óculos Eu não era assim". Não sabia o que estava perdendo. Essa é a primeira crônica que escrevo de óculos e, ontem, sentado na frente de casa, li minha primeira Zero Hora com eles. A vida é bela. Não consigo mais imaginá-la sem minhas lentes. Até voltei a usar o Facebook no zoom 110%.