João Adolfo Guerreiro
Descobrindo a verdade/ sem medo de viver/ A liberdade de escolha/ é a fé que faz crescer.
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Textos

"Me chamam de grosso"

 

"Eu não tiro a razão

Eu reconheço a minha grossura"

 

Esse é o início da mais conhecida canção do "Rei dos Trovadores", Eu reconheço que sou um grosso, o gaúcho de Porto Alegre Gildo de Freitas, contemporâneo do grande Teixeirinha. No domingo, aliás, completaram-se 40 anos da morte do primeiro e 37 do segundo, que foram parceiros em canções - conheceram-se em 1953 - e até chegaram a compor algumas se desafiando, para gáudio daqueles milhões de gaúchos que apreciavam a obra dos compositores, de grande sucesso nos anos 1950 a 1980, no rádio e nos discos, duas grandes referências da música e da cultura popular gaúcha. Essa crônica, entretanto, é sobre Gildo - é que não dá pra falar dum sem falar doutro.

 

Leovegildo José de Freitas nasceu em 19 de junho de 1919 no bairro Passo da Areia. Alguns tinham ele como nascido no Alegrete, mas isso era um equívoco, assim como achavam que Teixeirinha era de Passo Fundo, embora fosse de Rolante. O fato é que quem nasceu no Rio Grande do Sul e se criou pela época em que o trovador atuava com sua gaita ou seu violão, obrigatoriamente ouviu falar dele e escutou suas canções. Era um excelente improvisador, um legítimo virtuose da trova, por isso o epíteto merecido de Rei dos Trovadores. Mas bah, tchê, quantas vezes na minha infância assisti os homens tocando em festas familiares suas canções e também fazendo desafios de trova! Um tempo que passou e a maioria dessas pessoas também já passaram. Bah, isso dá uma baita saudade de tanta coisa boa, de tanto momento bom e de tanta gente boa. Recordar de Gildo de Freitas é pensar nisso tudo e nesses todos.

 

Gildo era getulista e trabalhista dos quatro costados, tanto que em 1964 os militares golpistas o chamaram para prestar esclarecimentos e em 1965 o próprio presidente deposto, o gaúcho de São Borja João Goulart, convidou-o para morar no Uruguai, o que não fez. Ficou pelo Rio Grande e pelo Brasil - apresentou-se em todos os estados da federação - mostrando suas canções e trovas.

 

Por ser a data da morte de Gildo - e de Teixeirinha -, o 4 de dezembro é, desde 1989, o "Dia Estadual do Poeta Repentista Gaúcho" no Rio Grande do Sul, pela Lei Estadual RS 8 814/89. Assim, finalizando essa crônica em sua homenagem, deixemos a letra completa de sua canção mais conhecida como seu testamento e testemunho de sua época (abaixo, um vídeo com Gildo interpretando-a ao vivo). Um salve ao grande Gildo de Freitas!

 

Me chamam de grosso, eu não tiro a razão

Eu reconheço a minha grossura

Mas, sei tratar a qualquer cidadão

Até representa que eu tenho cultura

Eu aprendi na escola do mundo

Não foi falquejado em bancos colegiais

Eu não tive tempo de ser vagabundo

Porque quem trabalha vergonha não faz

 

Eu trabalhava, ajudava meus pais

Sempre levei a vida de peão

Porque no tempo que eu era rapaz

Qualquer serviço era uma diversão

Lidava no campo cantando pros bichos

Porque pra cantar eu trouxe vocação

Por isso até hoje eu tenho por capricho

De conservar a minha tradição

 

Eu aprendi a dançar aos domingos

Sentindo o cheiro do pó do galpão

Pedia licença apeiava do pingo

E dizia adeus assim de mão em mão

E quem conhece o sistema antigo

Reclamem por carta se eu estou mentindo

São documentos que eu trago comigo

Porque o respeito eu acho muito lindo

 

Minha sociedade é o meu CTG

Porque nela enxergo toda a antiguidade

E não se confunda eu explico por que

Os trajes das moças não são à vontade

E se, por acaso, um perverso sujeito

Querer fazer uso e abusos de agora

Já entra o machismo impondo respeito

E arranca o perverso em seguida pra fora

 

Ô mocidade associem com a gente

Vá no CTG e leve um documento

Vão ver de perto que danças decentes

E que sociedade de bons casamentos

Vá ver a pureza, vá ver alegria

Vá ver o respeito dessa sociedade

Vá ver o encanto das belas gurias

Que possam lhe dar uma felicidade

 

Vídeo You TubeEu reconheço que sou um grosso - Gildo de Freitas, programa Galpão Crioulo

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 07/12/2022
Alterado em 07/12/2022
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