João Adolfo Guerreiro
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Textos

Hendrix, 80 anos

 

É difícil para alguém que não foi contemporâneo do surgimento do guitarrista Jimi Hendrix na cena rock mundial ter a exata noção do quão superlativa sua música foi. Inovadora e fantástica, algo completamente novo e diferente, totalmente fora dos parâmetros. Ele estourou nas paradas musicais no final dos anos 1960 e faleceu muito jovem, aos 27 anos, em 1970, há 52 anos (1). Num período de um ano e meio gravou três discos e fez diversas apresentações ao vivo, cujas imagens registradas nos dão conta de sua performance virtuosa, energética, incendiária e de uma plasticidade cênica incomparável (2) - parecia que a guitarra era uma extensão de seu corpo, diretamente ligada aos seus neurônios. Nada menos do que impressionante. Como esse cara conseguia tocar assim? De onde ele tirava esse som? Não esqueçam que a guitarra elétrica era um instrumento recente, usada ainda quase que como um violão tocado mais alto.

 

Quando se escuta e se vê seu trabalho hoje, com toda a evolução técnica da guitarra e depois que seu surgimento se tornou uma trilha seguida pelos que vieram depois, impossível mensurar o impacto que ele foi. O certo seria ouvir o rock que se fazia nos anos 1950 e 60 antes dele, fazer uma imersão no que então rolava, daí ver o filme-documentário de Woodstock e comparar, ao final, sua apresentação com o escutado e visto. Daí, sim, você terá como entender o quanto as pessoas ficaram encantadas e embasbacadas com tamanha inovação musical.

 

Eric Clapton, na Londres dos 1960, era O guitarrista. Escreveram nas paredes da cidade "Clapton é Deus". Pois Hendrix chegou na cidade e foi fazer shows concorridíssimos e "Good" resolveu conferir. Pegou o segundo horário, pois o primeiro superlotou. Conta em sua autobiografia (uma das melhores do rock, recomendo a leitura) que estava na fila e viu Pete Townshend, guitarrista do The Who, saindo da primeira sessão. Cumprimentou-o e esse lhe disse: "Eric, se eu fosse você não entraria pra ver o show". Claro que não deu bola e entrou, achando ser exagero de Pete. Devia ter escutado o parça. Viu, naquela noite, que nunca fora um deus da guitarra, mas, ante aquele afro-estadunidense, não passava de um mero aprendiz de feiticeiro: Hendrix é que era O cara! Anos-luz adiante de todos.

 

O cara dentro e fora do palco. Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones, que o diga. Ao mencionar Hendrix em sua autobiografia (igualmente muito boa, também recomendo), diz que um dos clássicos do guitarrista, Hey Joe (3), lhe foi roubada, ou, mais ou menos isso. O fato é que Richards saiu de Londres para excursionar com os Stones e sua namorada ficou no apartamento, onde havia um material gravado coletado por Keith, dentre eles a versão original dessa canção, oriunda de um bluseiro desconhecido e que ele trabalharia em cima para sua banda. Trabalharia. Hendrix estava por Londres, a moça foi num show, apaixonou-se por Jimi e tiveram um caso, com o americano ocupando a vaga no colchão do Stone ausente. Quando chegou e soube que Hendrix roubara sua garota, Keith ficou mega descornado. Pior ainda foi ouvir a canção no disco novo de Jimi e se tornar um grande hit. Logo depois Hendrix abandonou a moça e foi a vez dela ficar de coração partido. Assim contou Richards.

 

Às vezes ele dava uma bola fora (do palco, dentro, nunca), como no Festival de Woodstock, em agosto de 1969. Já um nome máximo do rock, seu empresário cismou de Hendrix fechar o evento. Como vocês já sabem, o antológico e influente festival teve vários problemas com horário devido à chuva e outras demandas decorrentes do descomunal e inesperado público. Com isso Jimi só subiu no palco no início da manhã de segunda-feira, em vez de domingo à noite. Logo, "somente" 30 mil das cerca de 500 mil pessoas (ou um milhão, segundo algumas fontes) que foram em Woodstock permaneciam no local. Todavia, sua performance, quando tocou uma versão inacreditável do hino dos Estados Unidos (4), recheada de efeitos nunca antes escutados numa guitarra, marcou um período da história da música ocidental e influenciou todos os guitarristas depois dele.

 

O que teria feito e ainda estaria fazendo Jimi Hendrix se vivo fosse? O certo é que, pouco antes de falecer, desejava dar um outro rumo para sua carreira e mudar o seu som, explorar novos horizontes. Todavia, foi mais que um grande nome da guitarra, foi O grande nome da guitarra. Na história dos inovadores da técnica do instrumento de seis cordas, tivemos, ainda na época do blues acústico (de onde veio o rock), o mito Robert Johnson. Depois, já na guitarra elétrica, Les Paul, Hendrix, Eddie Van Halen e, por fim, Stanley Jordan, todos eles trazendo técnicas e timbres revolucionários para o instrumento. Não entrarei em detalhes sobre a contribuição de cada um, apenas afirmo, avaliação minha, que Hendrix foi o mais inovador e icônico, pois seu som foi o mais à frente de sua época dentre eles. Embora a história da guitarra ainda esteja sendo escrita, é difícil supor um novo Jimi Hendrix.

 

Uma boa semana para todos. Cuidem-se, vacinem-se, usem máscara, escutem Hendrix, vivam e fiquem com Deus.

 

Vídeos de Hendrix no You Tube:

(1) - Voodoo child (Slight return)

(2) - Wild thing

(3) - Hey Joe

(4) - Star splanged banner

 

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 28/11/2022
Alterado em 02/12/2022
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