Assédio eleitoral e luta de classes
É estarrecedora a quantidade de denúncias de assédio eleitoral em locais de trabalho que chegam até o Ministério Público do Trabalho nesse segundo turno da eleição de 2022. Em comparação com o primeiro turno, até o momento, segundo o site g1 (Assédio eleitoral: segundo turno), é um número trinta vezes maior: 61 casos contra, agora, 1.789, uma alta de 2.932%! Se a comparação for com 2018, temos oitos vezes mais casos, pois naquele ano foram, ao total, 212.
Se analisarmos os números sob a luz do resultado das urnas no primeiro turno, ficará tão clara a motivação disso que nem precisaremos desenhar... Na região Sudeste ocorre a maior parte do assédio, 765, à frente da Sul (501) e da Nordeste (204), sendo o estado de Minas Gerais o campeão ocorrências: 496. Paraná (196), São Paulo (175) e Santa Catarina (168) o seguem. São 1.388 empresas denunciadas. Frente a tamanha fúria eleitoral patronal, cabe a pergunta: o conceito de luta de classes está ultrapassado na realidade brasileira?
Faz muito tempo que, lá na primeira metade do século XIX, o filósofo político e economista Karl Marx elaborou o conceito de luta de classes como motor da história e, ao que parece, vendo a situação acima descrita, ele ainda dá conta do que acontece na realidade concreta. O processo eleitoral, assim, é a ponta visível de algo mais profundo: os interesses divergentes entre patrões e empregados que, em momentos agudos como esse segundo turno, afloram claramente - como vimos também na terceirização e nas reformas trabalhista e previdenciária. Se é verdade que a revolução digital em curso diminui estruturalmente o emprego (a utilização da força de trabalho humana no processo produtivo) e que por isso a própria classe trabalhadora assalariada vem (principalmente) encolhendo quantitativamente e (também) mudando qualitativamente, o mesmo não se verifica, em termos quantitativos, do lado oposto, o do empregador. Desta forma, a consciência de classe de uma e sua influência nos rumos da política nacional cai em detrimento do protagonismo da outra.
Com esse fortalecimento estrutural da classe patronal no mundo globalizado e conjuntural da ideologia liberal no Brasil pós impeachment de Dilma Rousseff, tivemos a implementação de reformas da agenda liberal aprovadas nos últimos anos pelo Congresso Nacional (PEC do Teto de Gastos, terceirização e reformas trabalhista e previdenciária), além do esvaziamento do centro político liberal e social-democrata em favor do crescimento da extrema-direita ultraliberal. Os fatos acima, nesse momento, explicam a "fúria" tanto pela necessidade eleitoral quanto pela ousadia de setores da classe patronal visando garantir seus interesses no desfecho da eleição.
Escrevi "setores" porque neste pleito mesmo os empresários estão divididos, o que significa que ambas as candidaturas, em certa medida, atendem aos seus interesses. O que os divide? O mesmo que, neste momento, polariza a sociedade brasileira e a eleição: a prioridade da defesa da vida ante a pandemia, os valores da democracia liberal, o respeito ao voto representativo, a garantia da independência entre os poderes e a manutenção do Estado Democrático de Direito. Num mundo globalizado, o respeito a tudo isso faz bem aos negócios e o contrário faz mal. Logo, vê-se que mesmo com a visibilidade da luta de classes, nenhuma classe (ou grupo social, político, religioso, profissional, etc) é um bloco monolítico, da mesma forma que nenhum dos candidatos se adequa à boba e artificial divisão fascistas x comunistas, a maior fake news dessa eleição recheada de falsidades, vinda do museu embolorado do pensamento político brasileiro (Fascistas x Comunistas?), mas que, devemos reconhecer, está rendendo bem enquanto vitupério político-eleitoral.
O que vemos, então, com essas denúncias de assédio eleitoral é isso: a luta de classes reaparecendo nua e de corpo inteiro à luz do dia no Brasil outra vez nesses últimos oito anos. Entendo, a propósito, ser ilustrativa a antiga charge do cartunista Laerte, igualmente ainda muito atual.
Um bom final de semana para todos. Cuidem-se, vacinem-se, vivam, votem e fiquem com Deus.