João Adolfo Guerreiro
Descobrindo a verdade/ sem medo de viver/ A liberdade de escolha/ é a fé que faz crescer.
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Textos

Seis décadas, seis casas

 

O homem levantou de madrugada no dia anterior em que completaria 60 anos, já aposentado, marido "de prata", pai de família e avô. A chegada a uma idade redonda importante como essa, antessala da velhice, faz a pessoa refletir acerca da vida, dos ganhos e perdas, vitórias e derrotas, conquistas e insucessos. Somos a nossa memória e os balanços pessoais servem para reconstruir a mesma e, por conseguinte, a nós mesmos.

 

Lembrou da casa onde nasceu. Melhor, lembrou que não guardava lembranças dela, só sabia onde era, como fora o parto e quem estivera lá naquele dia 31 de agosto de 1962, incluindo o nome da parteira. Já da casa onde passou a infância, na mesma vila, as recordações eram inúmeras, envolvendo pais, irmãos, parentes e amigos. Nunca esqueceu do dia em que o pai pintou a casa de amarelo gema de ovo. Depois se mudaram para outro bairro da mesma cidade, uma mudança sentida, a mais sentida de todas as de sua biografia, pois deixou a vida onde se criou, seus primeiros amigos, seus primeiros flertes, suas primeiras descobertas sobre o mundo, seus primeiros e primeiras tudos e todos. Lá os pais viveriam o resto de suas longas existências - acima dos 80 anos, além da expectativa de vida nacional - e ele e seus irmãos se tornariam, adolescentes, jovens e, por fim, homens adultos

 

Por aqueles tempos foi estudar na capital do Estado e morou por três anos com um primo da mãe, em Porto Alegre. Nessa quarta casa, que não era a de sua família, mas de parentes, ele descobriu duas coisas: primeiro, que morar na casas dos outros não era natural como morar na casas dos pais; segundo, como era quantitativa e qualitativamente diferente a vida em uma cidade grande. Já a conhecia, mas há muita diferença ente visitar os parentes e morar com os parentes, em passear na capital e residir na capital. Só foi sair da casa dos pais novamente quando encontrou a mulher de sua vida e alugou um "ninho" para ficar de boa com a namorada. Permaneceu lá por pouco mais de um ano, tempo suficiente para fazer seu primeiro filho. Depois se mudou para a casa onde está até agora, o sexto teto que o abrigou de forma permanente em sua vida.

 

Assim que raiou o dia da véspera de seu sexagésimo aniversario, num ímpeto de nostalgia-saudade-reflexão, dirigiu-se para o lar onde seus pais encerraram o ciclo vital nesse plano físico. Vazio, mas muito bem conservado por ele e os irmãos, que esporadicamente o utilizavam. Quantas casas podem abrigar o homem durante a sua vida? Depende do homem. Dezenas, apenas uma ou nenhuma, conforme a pessoa, seus objetivos, suas condições, suas escolhas e visão de mundo. Pode-se passar a vida inteira numa fazenda ou sem parada pelo mundo afora. Depois, parte-se deste mundo e ficam este e as casas aqui. O corpo, ou melhor, o que sobra dele a se decompor, vai para a chamada "derradeira morada", que não é, de forma alguma, uma morada, mas sim um depósito para os despojos, de fato.

 

Para ele foram essas seis, cinco delas na mesma cidade. Agora estava novamente dentro da terceira, vazia, sem as pessoas que a significavam pra ele. Herança de seus pais, que ampararam toda a vida material dos filhos da infância à juventude e também agora depois de mortos. Da mesma forma, ele o fez e o fará, ao final de sua história terrena. Todos o faremos.

 

Seis décadas no dia de amanhã, passadas sob o teto de seis casas diferentes. O que importa é o tempo presente. O passado é memória, e ressignificar uma casa e uma vida é dar o passo seguinte na sua história, em direção ao futuro, retomando o processo contínuo que caracteriza o devir da existência.

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 31/08/2022
Alterado em 31/08/2022
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