João Adolfo Guerreiro
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Elvis morreu?

 

Dia 30 de julho estávamos eu e mais duas pessoas em Capão da Canoa e resolvemos ir ao Shopping Lynemar assistir o filme Elvis, de Baz Luhrmann, na sessão das 18 horas do Cine Mais Arte. Para minha total surpresa, apenas nós fomos lá com esse fim, ou seja, a sessão ocorreu somente para nós três, e isso num sábado durante férias escolares de inverno, numa cidade costeira bastante movimentada naquele final de semana.

 

Imagina, hoje faz 45 anos da morte dele e uma cinebiografia foi lançada em 2022, o que, por um lado, atesta a vitalidade de seu legado. Mas, por outro lado, mesmo com o frio e o vento que faziam no litoral gaúcho, esperava bem mais gente. Ao final, quando saímos, vi uma garotada esperando a sessão seguinte, umas 15 ou 20 pessoas, que não sei se era para ao filme O Telefone Preto ou se para Thor, Amor e Trovão. Então pensei: Elvis não leva mais pessoas ao cinema? Ele não significa mais nada? Elvis morreu, culturalmente?

 

Elvis Presley começou uma estrondosa e meteórica carreira em 1956 e morreu em 16 de agosto de 1977, ou seja, 21 anos cantando sobre os palcos, aparecendo na tv e no cinema e gravando discos. Um fenômeno por N motivos, campeoníssimo na venda de discos, números estratosféricos, nem vou me atrever a contar sua história aqui para não correr o risco de insultar a cultura de ninguém, eis que a biografia básica dele é por demais conhecida. Por outro lado, para a garotada, tem o Google e a Wikipédia, não é mesmo? Aterei-me brevemente ao filme, sem dar spoilers.

 

O filme ainda está em cartaz, mas nos dias atuais em breve também estará - ou já está? - nos streamings da vida e todos poderão conferir. O filme é chapa branca, ou seja, acentua apenas o lado bom de Elvis fora dos palcos, tão somente. É uma escolha do diretor, na minha opinião, válida, embora biograficamente limitada. Por outro lado, é excelente em mostrar duas coisas: primeiro, a singularidade da vida de Elvis desde a infância e os seus gigantescos méritos enquanto artista, dono de uma grande voz e de uma presença de palco revolucionária para a época; segundo, mostra sua relação com o empresário Tom Parker, desnudando como se davam as coisas nos bastidores naquele tempo no show business. Gostei muito do filme, mas ressalvo novamente aos que não tem muitas informações sobre a biografia de Elvis a não tomar o filme ao pé-da-letra sobre a vida do artista. Inclusive, nesse sentido, recomendo um vídeo do jornalista Régis Tadeu sobre o mesmo: Elvis: filme - minha opinião (1), e também o livro - recomendado por Tadeu - Elvis Presley: Último Trem para Memphis (2), biografia escrita por Peter Guralnick (Editora Belas-Letras, 2022, 640 páginas).

 

Agosto de 2022 marca as efemérides do falecimento de dois grandes mitos da indústria cultural estadunidense e, por conseguinte, mundial: o de Elvis e o de Marilyn Monroe - 60 anos. O cinema e a música, dois grandes trunfos da sociedade de massas, a formatar a ideologia e a promover mudanças políticas e culturais na sociedade do pós guerras. Como disse Keith Richards em sua autobiografia, Viva: "Não havia um mapa para a vida que estávamos levando, era tudo muito novo". O mesmo, poucos anos antes, aconteceu com Presley e Monroe. Meteoros fulgurantes que terminaram consumidos ao entrarem na órbita da indústria cultural e na atmosfera dos meios de comunicação de massa, a grande virada tecnológica ocorrida no século XX.

 

Talvez o fato de mitos como Elvis não colocarem mais gente num cinema do Sul do Brasil 45 anos após sua morte é que esse paradigma está sendo superado pela revolução digital e pelas redes sociais, que alteram as relações entre as pessoas e promovem novas formas sociais de construção das referências culturais, suplantando as antigas, já sem significado concreto na nova realidade. Entre mim e meu pai ocorreram avanços tecnológicos - do disco físico para o CD físico, da Tv P&B para colorida, por exemplo -, agora é a tecnologia que muda - música nas plataformas virtuais - e, a sua esteira, altera-se a construção de mitos e ídolos. Quem ainda ouve rádio, vê TV, lê jornal, compra livro, aluga filme em locadora e vai ao cinema? Elvis morreu ou morreu o seu tempo, ou seja, a realidade histórico-social em que, como mito, foi gerado?

 

Na verdade nós três estávamos ali porque somos fruto do antigo paradigma, nele e por ele formados, compartilhando toda sua mitologia e iconografia cultural. Logo, a pergunta a ser feita é: o rock, essa cria da segunda metade do século XX e de sua indústria cultural, terá importância e representatividade na sociedade do paradigma da revolução digital? Se o rock sobreviver, Elvis, com certeza, jamais morrerá. E só assim saberei se o que vi em Capão da Canoa foi apenas um episódio isolado ou sintoma de uma nova realidade que deixará no esquecimento do passado nossas referências.

 

PS - Dedico esse texto a Pedro G Rocha, apreciador da música de Elvis, que nasceu num 16 de agosto.

 

(1) - Vídeo You Tube: Elvis: filme - minha opinião. Por Régis Tadeu.

(2) - Procurei recentemente o livro nas livrarias Cultura e Saraiva, em Porto Alegre, e não encontrei. Na segunda, o atendente me informou que, com o filme em cartaz, a edição foi esgotada, indisponível inclusive no site da editora.

 

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 16/08/2022
Alterado em 16/08/2022
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