Éramos todos tão jovens
Éramos tão jovens no final dos anos oitenta e início dos noventa. Tão cheios de vida, de energia, de tesão, de amor. Sonhávamos tanto com tanta coisa, como mudar o mundo, fazendo-o um lugar melhor para todos. Éramos todos tão jovens, tão saudáveis, tão bonitos, com mães e pais vivos. Os mais velhos tinham quarenta, cinquenta anos. Imagina?
Morrer era algo tão longe, tão fora da realidade. Doenças crônicas, coisa surreal. Ir no cemitério, só no Dia de Finados, acompanhando pais ou avós. Havia todo o tempo do mundo e o mundo era todo nosso e nos apropriamos, de fato, dele. Fizemos tanta coisa, mas bah, coisas demais. Não que fossem tempos muito diferentes desses, ou melhor, são tempos diferentes, só que as coisas não eram assim tão diferentes, pois também havia a desigualdade, o preconceito, a dor, todavia eram tempos de esperança, não de retrocesso, como agora. Eram tempos de transformação, não reacionários. Onde falhamos? Ou não falhamos? Como saber? Difícil saber.
Eram tempos do retorno da democracia, da liberdade, da cidadania, dos direitos dos trabalhadores. Tocávamos MPB, canções nativistas e rock nacional no violão em rodas de amigos, tomando chimarrão e bebendo cerveja. Trocávamos ideias e debatíamos. Tempos de TV, de jornal e de revista, tempos aonde se fazia panfletos e se colava cartaz em poste com grude caseiro. Pichava-se rua com cal. Ah, como éramos todos tão jovens e tão cheios de sonhos, de esperanças e de vontade. Agora envelhecemos. Nosso tempo passou? Aqueles tempos passaram, mas nosso tempo ainda não passou, creio. E não passou porque ainda estamos por aí, interagindo pela casa comum. Tá aí o Papa Francisco que não nos deixa mentir ou nos enganar.
Éramos todos tão jovens, tão bonitos, tão saudáveis, tão cheios de vida e de alegria. O tempo passou, envelhecemos, mas ainda não passamos o bastão. Estamos passando, mas ainda não o entregamos em definitivo. A aposentadoria ainda não chegou, ainda não é tempo de ficar só em casa brincando com os netos, protegidos do frio e do calor, regando as flores, acariciando os bichanos e passeando com os cachorros. Há ainda o que se fazer. E faremos nossa parte. Serviço completo.
Não somos mais tão jovens, agora somos experientes e usaremos isso a nosso favor pelos outros para, quando chegar nosso outono, daí sim, colher e guardar a lenha para aproveitar o fogo da lareira, no inverno.
PS - Dedico esse texto a Binidi "Niga" Cezarino, um cara legal que viveu, sonhou e lutou.