Obituário
Sempre leio a página de obituário nos jornais. Décadas atrás, iniciava pela penúltima página, nas crônicas do Paulo Sant'Anna, depois: almanaque, obituário, segundo caderno. política, internacional, geral e editoriais. Economia e polícia raramente, só por necessidade intelectual ou dever de ofício. Isso tudo, claro, coisa de quem lia e ainda lê jornal impresso. Pra continuar sendo absolutamente sincero, tirando o Portal no Facebook, não leio jornais online, vou direto no Google procurar informações específicas quando é o caso.
Obituário, uma das páginas mais sinceras dos jornais, no básico - pois ninguém irá fazer um obituário acusando o cara que morreu de ser um baita canalha, né. Cheio de pessoas importantes e de gente simples, gente como a gente, ou melhor, de gente que já foi como a gente em vida. Pessoas que passaram por aqui e comeram, beberam, dormiram, caminharam, trabalharam, torceram por Grêmio e Inter, casaram, amaram, transaram e deixaram sua marca, registradas agora nas folhas de papel em que também se embrulha copos de vidro, se faz artesanato ou se enrola para fazer o fogo na churrasqueira, dentre outras várias utilidades, publicáveis e impublicáveis. Leio com muito respeito aquelas laudas do obituário, por se referirem a uma dor ainda pungente no coração de familiares e amigos, na absoluta maioria dos casos os autores indiretos daqueles textos - o redator só dá uma garibada no que recebe, geralmente.
Semana passada participei de um cortejo fúnebre ciclístico para um jovem que faleceu. Morava perto daqui de casa e era muito conhecido e considerado na cidade. De jovem eu chamo todos os mais novos do que eu e que, necessariamente, não são mais tão jovens assim, embora ainda não estejam nem na meia idade. Hoje ocorre o velório de um camarada, décadas mais velho que eu e, portanto, velho mesmo. Mas não tão velho assim, setenta e cinco. Um cara legal, tri gente fina. O fato é que tem morrido muita gente ultimamente. Minha percepção é afetada tanto pela idade - com o passar dos anos, os conhecidos vão morrendo com frequência cada vez maior - quanto pela pandemia que ainda grassa e que deixou muita gente boa pelo meio do caminho antes do tempo. Uma bosta tudo isso. Doença e morte são coisas muito tristes. Por outro lado, a gente experencia e aprende todo dia algo novo nessa vida, sobre ela, sobre os outros e sobre a gente, pega-se sentindo e compreendendo coisas que antes já sabíamos, mas que agora parecem ficar mais claras com as pauladas do mundo sobre nossa carne.
Obituário, eu gostaria de, sendo jornalista profissional, ocupar-me dessa editoria, fazendo jus a tantas grandes e pequenas biografias e consolando seus entes queridos enlutados. E criaria uma outra: a de nascimentos. Seria curta, mas regada a lágrimas de felicidade, contraponto. Ontem, enquanto estava numa missa de seis meses de falecimento, pensava nessas coisas e resolvi, hoje, escrever sobre elas. Todos nós um dia estaremos com o rostão estampado num obituário ou num aviso de funerária no supermercado e no banco, além de receber o amém de um padre, pastor ou correlato religioso. Pra morrer basta estar vivo, diz a sabedoria popular há décadas - ou seriam séculos? Sei lá.
Uma boa semana para todos. Cuidem-se, vacinem-se e fiquem com Deus.