João Adolfo Guerreiro
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Textos

Dez anos de Portal

"O que realmente interessa nessas eleições"

 

Neste quinto e último texto da série Dez anos de Portal, onde comemoro uma década de colaboração com o jornal Portal de Notícias, republico um artigo de política sobre as eleições municipais de 2012, publicado em 3 de julho daquele ano. Como já disse na quinta-feira passada, esse foi meu segundo escrito para o Portal - o primeiro foi em 9 de junho -, todavia foi a partir dele que comecei a contribuir regularmente para o jornal.

 

O que ainda pode informar, dez anos depois, um texto sobre política municipal para as eleições vindouras, em outubro, estaduais e federais? Por incrível que pareça, coisas atuais! A mutabilidade das alianças políticas e a importância de haver um debate qualificado sobre as questões importantes para o povo. Quanto ao primeiro aspecto, é só observar o quadro eleitoral para constatar a validade do artigo; quanto ao segundo, cabe perguntar: nesse clima de polarização e intolerância ideológica em que vivemos, será possível o debate político consequente?

 

O que realmente interessa nessas eleições?

Se tem algo que as últimas três eleições ensinaram em cidades como Charqueadas e São Jerônimo é que o inimigo de ontem é o aliado de hoje. Logo, muito cuidado com os adjetivos no presente, pois eles serão os constrangimentos do futuro. E isso vale para toda a região.

E, é bom perguntar, quem se preocupa ainda tais “politicagens” - para usarmos uma terminologia própria do senso comum em voga? Ora, só os políticos com, sem e procurando mandato. E os militantes, apoiadores, cabos eleitorais e funcionários dos mesmos. Resumindo: a classe política. A absoluta maioria das demais pessoas quer saber é quem vai resolver os seus problemas e defender os seus interesses na hora de escolher o candidato e votar. Simples assim. Senão vejamos: nas últimas eleições municipais não foram justamente os candidatos que realizaram alianças antes inimagináveis os que venceram?

Assim, levando-se em conta o pragmatismo praticado pela população, conclui-se facilmente que o debate político na campanha eleitoral deveria se pautar em torno dos programas de governo, de sua praticabilidade e viabilidade. O debate devia se ater a capacidade de descaracterizar quimeras, ficções e demagogias programáticas, por um lado, e fundamentar propostas exequíveis e socialmente adequadas, por outro. O “debate”. É bom insistir nessa palavra.

Pois numa campanha sem debates é impossível fazer isso. Daí só sobra o pantanal dos discursos inflamados de palanque, local onde, sabemos, os microfones aceitam tudo calados, sem contestar ou contrapor. E, quando isso acontece, os ouvidos tem dificuldade de se relacionar com o cérebro a fim de processar um pensamento qualificado e realizar uma escolha consciente, lúcida. O “contraponto”, outra palavra importante nesse processo.

Um bom contraponto político num debate eleitoral esclarece, assim como, na música, um contraponto afinado e harmonioso sublinha a melodia principal. Vide as duplas sertanejas, que tem o forte de seu sucesso no duo vocal, com a perfeita interação da segunda com a primeira voz. Uma eleição sem debate só revela a pobreza belicosa do processo democrático de uma cidade e o raquitismo político e filosófico de sua classe política. “Não há como ter uma ação comunicativa válida na política sem um bom debate”, possivelmente afirmaria um grande sociólogo chamado Habermas se estivesse escrevendo esse texto.


Interessa saber nas eleições municipais vindouras é quem vai tratar melhor a questão da saúde, quem vai propor soluções social e ecologicamente sustentáveis para o desenvolvimento econômico, quem vai apresentar um projeto educacional mais interessante e adequado à realidade local, quem vai valorizar e promover a cultura local e os seus produtores, quem vai lidar melhor com os problemas de segurança pública, de vulnerabilidade social, de mobilidade urbana, preservação ambiental, saneamento básico...

A classe política local tem de estar à altura disso, fazendo da campanha política um espaço de debate do que realmente importa. O que resta, o que sobra, é a “politicagem”. E as pessoas precisam de muito mais do que as sobras e os restos da política.

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 01/07/2022
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