Dez anos de Portal:
"Cunhado não é parente"
Neste terceiro texto comemorativo aos dez anos que escrevo no Jornal Portal de Notícias, republicarei minha crônica mais lida neste. É de 2006, mas no Portal foi postada em outubro de 2018. Um fato curioso sobre a mesma é que sua "versão feminina", uma crônica de mesma temática intitulada "Cunhada não é parente" (mencionada ao final do texto, numa "deixa" literária), embora com número inferior de leituras, ao ser publicada no jornal gerou enorme repercussão contrária, sendo vítima do que se chama hoje de cancelamento.
Uma boa semana para todos. Cuidem-se, vacinem-se e fiquem com Deus.
Cunhado não é parente
Esse é um ditado popular que, embora muito cruel, corresponde a realidade. Principalmente nos dias de hoje, em que o “casa-separa” está liberado pela lei e pelos costumes, ao contrário do que era antigamente. Mas não dá para rir da situação, pois cunhado todo mundo é, foi ou vai ser. Ninguém escapa. Você vai gozar o seu cunhado, mas não deve se esquecer que você é o cunhado dele também, e ele terá os mesmos motivos para te gozar.
Se parente a gente não escolhe, os cunhados pior ainda. Os parentes, pelo menos, já fazem parte da história da família. Cunhado não, cunhado é um agregado recente, aquele a quem tua irmã fez o favor de arrumar uma vaga num galho da árvore genealógica de sua linhagem. Contudo, eu ia dizendo no início que a instituição “cunhado” está em crise, com o casa-separa de hoje em dia. E afeta também as recordações familiares e dá muito dinheiro aos fotógrafos. Explico...
A sua irmã se separou do marido dela depois de 10 anos de casamento, mais cinco de namoro. Então ela vai te visitar com o Juarez, seu novo marido. Conversa vai, conversa vem, eis que estão em frente a estante, comentando os retratos de família.
- Essa é a foto da formatura da Cristina. Está toda a “família” aqui. Essa de vermelho é a tia Lorena, junto com o tio Jorjão. Essa ruiva gostosinha é a prima Vera. Aqui o pai e a mãe e a Cristina com o Ricardo.
- Ai Eduardo, porque tu não tirou essa foto daí. O Juarez está constrangido.
- Cristina, essa é a única foto que eu tenho da tua formatura em que está toda a família junta. Eu não vou tirar ela daí porque o teu atual marido, quer dizer, o Juarez, vai se incomodar. Ele vai ter que conviver com isso.
- Deixa Cristina, deixa, eu não me incomodo.
- Mas eu não gosto, Juarez.
- Cristina, quem tem que gostar ou não sou eu. A casa é minha. Além do mais, eu considerava muito o Ricardo.
- Isso porque tu não vivia com ele.
- Que injustiça. Ele te ajudou a concluir a faculdade e sempre foi um ótimo genro pro pai e pra mãe. Tu esqueceu quando o pai teve um infarto? Quem foi que correu com ele para baixo e para cima? O Ricardo!
- Isso tudo passou, Eduardo. Eu não ia ficar casada com ele por gratidão.
- Isso mesmo, essa é a realidade do homem. Depois de anos de dedicação, a mulher o larga por “qualquer um”.
- Peraí Eduardo, tu está me ofendendo. Eu não sou “qualquer um”.
- Não foi mesmo, foi o “qualquer quinto”. Mas desculpa, eu não queria te ofender. Só que a foto eu não troco. O Ricardo fica ali. Se resistiu a quatro namorados, vai resistir ao atual marido. Imagina se eu vou reunir a família para bater uma foto toda a vez que a Cristina trocar de marido ou arranjar namorado novo? Vou enriquecer o fotógrafo!
- Eduardo, pare de falar assim da tua irmã que ela não é nenhuma “desfrutável” – meteu-se a mãe. Além do que a foto nem corresponde mais a nossa família. O Jorjão já trocou a Lorena pela manicure aquela faz dois anos. E até foi bom, pois o Jorjão, ao contrário do Ricardo, não vale nada.
Juarez pediu licença para ir ao banheiro.
Realmente, cunhado é aquele a quem você nunca emprestaria o carro, nunca convidaria para um churrasco em sua casa e nunca emprestaria dinheiro, caso o cara não fosse o marido da sua irmã ou o irmão da sua mulher. E isso vale para você também, que vive agregado nas costas do seu cunhado.
O cunhado que é irmão da sua mulher é um caso a parte. Teve um namorado da minha irmã que deve ter raiva de mim até hoje. Eu queria aprender a andar de moto e o cara nem aí para mim. Então comecei a ficar na sala olhando TV sempre que ele ia lá em casa, pois a minha mãe não deixava eles namorarem em outro aposento que não lá, com a televisão ligada. O cara ia dar um “atraque” na Roberta e eu gritava: “Olha lá, o mocinho vai matar o bandido!” Então o cara se viu obrigado a me ensinar a andar de moto para me despachar da sala quando estava lá, liberando-me a moto. Claro, depois a gente cresce, arruma namorada e ela também tem um irmão pentelho que nem você foi e que também vai querer andar na tua moto.
Realmente, cunhado não é parente. E você sabe disso porque você também é cunhado e sabe o que um cunhado pensa sobre você: tirar proveito.
E a cunhada, é parente? Bom, essa é uma outra história...