Onde está a luz?
Alta madrugada gélida de domingo - durmo e acordo muito cedo - e eu arrumando a cozinha para começar bem o primeiro dia da semana. Colocava a louça na máquina, parte final da tarefa, e a escuridão me envolveu completamente. Não, não desmaiei, era a luz que se fora, assim, de repente, sem aviso, como está se tornando costumeiro aqui por esses pagos. Ali, no breu total e com o pano de prato nas mãos, perguntei-me: "E agora, o que fazer?"
Comprei aquelas lâmpadas que acionam automaticamente quando a energia falta. Por que não acionaram? Ah, lembrei: tirei-as da tomada e as esqueci aí por cima, ou seja, em um lugar que não guardei na memória. Ainda não me acostumei com essas coisas, mas a gaveta onde guardo fósforos e velas ainda sei decor. Bom, andei cuidadosamente até o balcão perto da janela atrás deles. Abri a gaveta e tateei, mas não conseguia encontrar. Essa gaveta é cheia de coisas... Será que as velas e os fósforos foram dali retirados, sem o meu conhecimento? Insisto até ouvir aquele barulhinho indefectível dos fósforos na caixa. Eureka! Risco o palito e vem a luz, mas muito breve, quase um flash analógico. Perdi a prática? Risco outro, com maior concentração, e a luz firma. Iluminada a gaveta, acho o pacote com os demais fósforos e as velas, santas e amadas velas. A partir de então, opero no modo manual e primitivo, da mesma forma que naquelas noites invernais de breu lá na Colônia, quando o transformador, que ficava na esquina da tenda da dona Jussara, pifava e tínhamos de esperar o seu Jari consertar o problema.
Velas acesas, procuro as luzes de emergência. Encontro uma delas, oh glória. Vinda repentinamente tal qual um palito de fósforo riscado, a memória se ilumina e informa que havia colocado uma em cada cômodo. Vela ou luz de emergência, qual usar? Oh, dúvida cruel! Decido pela segunda, por dar mais claridade e facilitar o trabalho com a louça. Finda a lida doméstica, opto por tomar café à luz de velas, na companhia das gatas, já que os outros humanos da casa estão nos braços de Morfeu, imersos no mundo onírico e alheios aos acontecimentos do mundo real. Fósforos, amados e abençoados fósforos, meus queridos amigos. Ligo o bico do fogão e coloco água na chaleira para esquentar, enquanto aqueço a frigideira para fazer uma torrada à moda antiga. Há quanto tempo não fazia tais coisas? Olho para o micro-ondas e a torradeira, lá, inertes, inúteis como uma Ferrari sem gasolina, uma guitarra sem caixa de som, um violão sem cordas, Claudinho sem Buchecha, Romeu sem Julieta. Como disse Lutzenberger, a gente não domina as novas tecnologias, mas as antigas, sim. E elas são totalmente operacionais em situações como essa.
E, assim, permaneci, esperando o dia raiar. Lá por umas sete horas, dou-me conta de algo: a água começa a escassear. Não sei se o frio congelou meu cérebro, mas o fato é que esqueci totalmente de armazenar água. Devia ter pensado que a luz poderia demorar para retornar e que, fatalmente, a água faltaria. Tarde demais. No frio, sem luz e sem água. O pior da situação era ter de fazer a contenção da caixa d'água do vaso sanitário, utilizando-a apenas para situações extremas (Por que cargas d'água eu ainda não instalei uma caixa d'água na casa?). Quando a luz nos abandona de supetão, pega-nos quase que totalmente desprevenidos. A sorte é que eu havia pelo menos carregado o celular e, mesmo sem sinal de internet, procurava informações utilizando os dados móveis para navegar na rede. O azar é que a bateria do celular já é uma idosa que cansa rápido. Nas redes vejo gente reclamando da Equatorial, criticando a privatização, contrariados pela queima de aparelhos domésticos, esse tipo de coisa.
Leio no Portal de Notícias, já pela tarde, que "o desarme no transformador da subestação da Eletrosul provoca falta de energia nos municípios de Charqueadas, Arroio dos Ratos, Butiá e Minas do Leão", sendo que "a falta de luz afeta também o abastecimento de água da Corsan, por falta de energia nas estações de tratamento da companhia". Será que conseguirei assistir Flamengo x Atlético MG na TV, às 16 horas? Quanta ingenuidade a minha! A luz só retornou pelas 20 horas e a água bem depois, daquele jeito.
Bom, mas o que passou, passou, aguardemos as próximas, preparando-nos melhor para as adversidades vindouras. "Novas façanhas", terei de me acostumar com os novos tempos equatoriais no tropical paralelo 30, com seus problemas e suas surpresas. Desgraça pouca é bobagem, então bola pra frente (de preferência cruzada pra dentro da área e na cabeça do Diego Souza) que amanhã, às 06h14min, recém "inicia" o inverno.
Uma boa semana para todos, cuidem-se, vacinem-se e fiquem com Deus.