João Adolfo Guerreiro
Descobrindo a verdade/ sem medo de viver/ A liberdade de escolha/ é a fé que faz crescer.
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Textos

A morte do cronista

 

Toda vez que um leitor diz que não acredita em crônicas, um cronista cai morto em algum lugar. Feito as fadinhas em Peter Pan, os cronistas necessitam que os leitores acreditem no que ele escreve, mesmo quando digita uma meia verdade ou conscientemente minta. Básico. Do contrário, inexiste. Morre.

 

Pode não gostar, pode não concordar, mas tem de acreditar que o cronista está sendo o que ele é ao escrever, pois o cronista é um comentador do dia a dia, sempre escrevendo uma cápsula do tempo para o futuro a fim de que, amanhã, as pessoas saibam como foi o hoje: leiam as crônicas de Machado de Assis para saberem do que digo, vocês viajarão literariamente no tempo e sentirão o cheiro de urina e bosta de cavalo vindo das ruas por onde os bondes do passado trafegavam. Acho isso impressionante.

 

O cronista é um conversador de mesa de bar, tomando chopp ou café - bebidas da alegria e do estímulo -, precisa da atenção e da credibilidade do outro ao falar do cotidiano e, como Nelson Rodrigues, da vida como ela é. "Churrasco, bom chimarrão Fandango, trago e mulher É disso que o velho gosta É isto o que o velho quer": eis o material de ofício do cronista, ou seja, as coisas simples da vida, corriqueiras, triviais. O cronista conversa sobre elas, basicamente. Pode dar uma fugidinha disso, às vezes, mas se abandonar o cotidiano, vira outra coisa que não mais o cronista, torna-se um farsante. Cronista é cronista e ponto, faz crônica ou faz outra coisa.

 

O cronista é um amigo, um colega ou alguém da família, de quem a gente curte os papos. Quando ele morre, ficamos de luto. Até hoje leitor de jornal impresso, já enlutei por vários deles: Paulo Sant'Ana, Carlos Nobre, Millôr Fernandes, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Carlos Eduardo Novaes, Carlos Heitor Cony, Ruben Braga e, mais recentemente, David Coimbra. Esses eu conheci, digo, li (o que é quase a mesma coisa, em se tratando de cronistas) enquanto respiravam e escreviam. Com outros tive contato literário mediúnico, pelas cápsulas do tempo, como Assis, Rodrigues e Stanislaw Ponte Preta, eis que os conheci já mortos. Formam, todos, a minha Sociedade dos Cronistas Mortos. A esse Clube do Bolinha literário celestial se somam os vivos Dartagnan Ferraz, Leandro Carnal, Juremir Machado da Silva, Luis Augusto Fischer, Moisés Mendes, Jeferson Tenório, Luis Fernando Veríssimo, Nílson Souza, Paulo Germano, Eduardo "Peninha" Bueno, Flávio Tavares e as luluzinhas Cláudia Laitano, Cláudia Tajes e Martha Medeiros. Alguns dos acima, como Nobre, Millôr, Tavares, Carnal, Bueno e Fischer não foram/são propriamente cronistas, são a tal outra coisa, mas os considero excelentes farsantes por terem o espírito de cronistas.

 

Toda vez que um leitor diz que acredita em crônicas, um cronista ressuscita em algum lugar e os que estão vivos se sentam para compartilhar um chopp ou café. Logo, a morte do cronista não é física, é literária, eis que todo o cronista é e será, sempre, um personagem, uma alma incorpórea. Apenas os cronistas sem credibilidade vagam errantes pela eternidade do esquecimento literário, por certo almas penadas assombrando o Cemitério dos Livros Esquecidos de Zafón.

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 31/05/2022
Alterado em 01/06/2022
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