João Adolfo Guerreiro
Descobrindo a verdade/ sem medo de viver/ A liberdade de escolha/ é a fé que faz crescer.
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Textos

Às vezes ninguém vê quando tu choras

 

Li a coluna do dia 16 de maio do cronista David Coimbra na ZH. Ele estava de licença saúde, interinos vinham ocupando o seu espaço no jornal. Voltou nessa segunda-feira. Não falou da doença, mas disse que chegou a pensar em morrer de tanto sofrimento. Não em se matar, mas em morrer. Pesado o texto. Pelo título, "Quando quis morrer", dava pra desconfiar do conteúdo.

 

"Não deixei de amar a vida. Amo viver, amo a vida e sempre amarei. Mas não estava sendo recíproco. Então, de que adianta estar vivo se não posso fazer nada do que gosto? Uma vida repleta de dor, incômodos e humilhações? Era isso que havia para mim? Não, não, preferia uma morte rápida e suave".

 

No seu livro Caderno H, Mário Quintana escreveu que o pior dos nossos problemas é que os outros realmente não tem nada a ver com eles. "Todo mundo é parecido quando sente dor", mas às vezes ninguém vê quando a gente acorda pela manhã e chora, seja por dor, saudade, angústia, desespero, etc. Eis a realidade. O sofrer agudo e atroz é algo muito pessoal. Os outros podem estar na volta, ajudar, oferecer consolo, mas esse tipo de problema parece colocar a pessoa muito dentro dos seus próprios limites, enclausurada no seu corpo e na sua mente e, por isso, há momentos em que a ela quer e tem de ficar só. Coimbra fala exatamente isso em sua crônica:

 

"Nós somos prisioneiros do nosso corpo, eis a verdade. Os grandes sofrimentos, bem como os grandes prazeres, constituem uma camada extra de nossa personalidade. Estão localizados no corpo, mas afetam a mente. (...) E é então que surge a solidão. A nossa imensa, incontornável solidão. Porque ninguém pode ajudá-lo. (...) Você se lamenta porque não há como se livrar do Mal. Não há consolo. Você está sozinho, preso em um corpo que o tortura sem cessar".

 

Entretanto, é o auxílio exterior que acaba por ser paliativo. Doce, bem-vindo, benfazejo e desejado paliativo. Familiares, amigos e colegas fizeram isso por Coimbra, minimizando seu incontornável sofrimento, o ajudando a "resistir": "Assim, o que nos resta fazer numa situação dessas? Resistir. Gemer, chorar, desesperar-se às vezes, mas resistir". O caso de Coimbra é emblemático. Diria também que um pouco se torna pesado para os outros o sofrimento de alguém porque os coloca igualmente diante da fragilidade da vida: o doente se torna duro e atemorizante espelho de uma situação comum e possível. "Todo mundo é parecido..." E, assim, como o sofrer é algo realmente particular, muitas vezes é melhor mesmo os outros não te verem sofrer, por ti e por eles.

 

"Conto apenas que houve um momento em que fechei a porta do quarto, me encolhi na cama e de lá não saí por dois dias e duas noites. Não comia, não tomava banho, não olhava o celular, não fazia nada além de dormir em posição fetal".

 

A crônica de David termina de maneira positiva, ressaltando o efeito positivo do amor e da solidariedade dos outros nesse momento tão pessoal. "Fora da prisão do meu corpo, havia um exército a ajudar. Isso fez bem. (...) Vamos em frente de cabeça erguida. Com um leve tremor ao pensar no futuro. Mas o futuro não é coisa para se pensar. O que existe é o presente e, se o presente pode ser sorvido integralmente, a vida passa a ser boa. E ela é. A vida é boa".

 

Que o teu presente continue sendo bom, caro cronista. E o de todos que passam por algo parecido.

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 17/05/2022
Alterado em 18/05/2022
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