Lutz: luz da natureza e profeta do Apocalipse, ainda esperança
O engenheiro agrônomo José Antônio Lutzenberger, um poliglota fluente em cinco idiomas, trabalhava na BASF, na área de adubos, e viajava o mundo à serviço da empresa. Seus conhecimentos científicos sobre o meio ambiente o fizeram chocar-se com os interesses corporativos e então, em 1970, deixou seu emprego para se dedicar, de modo pioneiro, à causa do ambientalismo. O resto é a história do maior ambientalista gaúcho e brasileiro, internacionalmente reconhecido e influente.
Nasceu em Porto Alegre, numa família de colonos alemães, em 1926, e amanhã fará 20 anos de seu falecimento, ocorrido em 14 de maio de 2002, quando estava com 75 anos. Era um homem muito à frente do seu tempo, à época chamado ironicamente de "profeta do Apocalipse". Ironia maior fez a vida, eis que o momento presente dá razão a tudo o que disse. Sua filha Lara Lutzenberger, em entrevista ao Caderno doc de Zero Hora do dia 21 de abril, respondendo como se sentiria Lutz hoje, deixa isso claro:
"Mais triste do que esperançoso. Infelizmente, praticamente tudo o que ele previu se confirmou. Meu pai teve um comportamento quase quixotesco para a época. Poucas eram as pessoas que percebiam o que ele percebia. Hoje, a consciência ambiental da população aumentou. É senso comum que vivemos crises ambiental, social e econômica, que o planeta e nossa espécie estão em risco. Mas a gente vive um momento muito crítico da história da humanidade. Acredito que temos que nos manter esperançosos, investir nosso tempo em dar a melhor contribuição possível, mas vivemos sob ameaça. Desde a época do meu pai, as crises pioraram."
Lutzenberger é um homem de nosso tempo, nascido décadas antes a fim de antecipar os perigos e alertar a humanidade. Como na canção do cantor e compositor charqueadense Alberto André (ver link abaixo), Lutz ainda é luz da natureza, permanecendo atual e seu legado e obra ainda levando à reflexão e esperança quanto ao futuro ambiental da humanidade e do planeta, por ele chamado de Gaia. Levando-se em conta as palavras de Lara, o presente, principalmente aqui no Brasil, é antagônico ao pensamento de seu pai, com o meio ambiente - e mesmo a vida humana - sendo agredido e destruído em favor de uma lógica economicista e consumista que, literalmente, a tudo consome, devorando no presente o futuro das próximas gerações. E, nesse sentido, sobre a atual fragilidade da militância ambientalista, mais uma vez recorremos a sua entrevista: "Agora, é difícil ter tempo para fazer esse trabalho idealista. Demanda pesquisa, preparo. A projeção que a Agapan teve no passado se deveu à figura do meu pai. Ele, além de ter um amplo conhecimento, tinha carisma e personalidade".
Tudo isso ocorre como ampliação de uma ética antropocêntrica, que coloca o homem no centro do planeta, e não uma ética holística, que inclua todos os seres vivos como habitantes legítimos de Gaia, com direito à existência, como dizia Lutzenberger em suas entrevistas, remetendo a um mundo como o vislumbrado por São Francisco de Assis. Nesse sentido, é necessário "reduzir o consumo, não apenas substituir por um produto menos poluente. Precisamos reduzir bruscamente o consumo de tudo", como Lara nos lembra.
Deixo link para o excelente documentário Lutzenberger - For Ever Gaia (2006), de Otto Guerra e Frank Coe, para que vocês se aprofundem na vida e no pensamento desse grande homem do nosso tempo. Afinal, apenas a consciência política, social e ambiental cientificamente fundamentada e militante poderá fazer com que futuramente caminhemos tranquilos por locais maravilhosos desse mundo como a Praia da Guarita (foto acima, de Ricardo André Frantz), oficialmente denominada Parque Estadual José Lutzenberger (o projeto paisagístico do local foi feito por Lutz e por Burle Marx), evitando, assim, que o presságio contido na letra da canção de André se confirme: "No Sul, sobre os bancos de areia, Lutz passeia com a certeza fatal que caminhamos para o fundo escuro, o abismo do fim do futuro".
Um bom final de semana para todos. Cuidem-se e fiquem com Deus.
Ver mais:
Lara Lutzenberger (entrevista para o jornal Zero Hora)