João Adolfo Guerreiro
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Peixe, coelho e chocolate. E Cristo?

 

Assistindo os telejornais na madrugada de hoje, vi que as vendas de ovos de Páscoa aumentaram em até 30% esse ano em relação à 2021. Conversando com amigos e indo a duas lojas de chocolates, já havia percebido esse aquecimento econômico. Matéria de ontem no jornal Portal de Notícias informava que "aumento ficou bem abaixo da inflação acumulada nos últimos 12 meses", referindo-se aos ítens da cesta de Páscoa. Logo, a bem-vinda queda da pandemia e os preços em boa conta fizeram muito bem para os negócios. Mas como vai a alma, que é o centro da Páscoa?

 

Pois bem, tendo em vista o escrito acima, julguei apropriado republicar o texto abaixo, de dez anos atrás. A discusão, percebi, é ainda válida e, inclusive, retomarei alguns pontos da mesma nessa semana, a partir do que discuto nessa crônica pretérita. 

 

PEIXE, COLELHO E CHOCOLATE. E CRISTO?
 
O Brasil, segundo os dados de 2010 do IBGE, possui 86.8% de cristãos, sendo 64.6% de católicos e 22.2% de evangélicos. E vejam que nesses índices não são considerados o Espiritismo Kardecista e a Umbanda, que são grupos religiosos sincréticos com o cristianismo, e tampouco outras denominações cristãs como as Testemunhas de Jeová e os Mórmons. Assim, a Páscoa e a Semana Santa são feriados importantes em nosso país, pois se referem à tradição religiosa cristã, celebrando a Paixão de Cristo.
 
Entretanto, quando olhamos em volta nessa época, o que nos salta aos olhos? As feiras de peixe para a Sexta-Feira Santa e os ovos de chocolate para o Domingo de Páscoa, além da onipresença do Coelhinho em anúncios publicitários nas mais variadas mídias.
 
Assim como o Papai Noel e os seus presentes no Natal, na Páscoa o anexo ganha mais importância que o livro e o confeito mais destaque que o bolo, que são, respectivamente, o nascimento e a morte de Jesus Cristo. E isso gera um boom comercial, o que leva a paradoxal conclusão de que deu$ é mais louvado do que Deus nesses feriados religiosos.
 
Na origem da Páscoa, temos o povo judeu escravizado no Egito. No relato do Êxodo, no Antigo Testamento, Moisés recebe instruções precisas de Deus: comer pães ázimos (sem fermento) e um cordeiro ou cabrito, espalhando pelo marco da porta de cada casa o sangue do animal. Assim, quando o Anjo do Senhor viesse “levar” todo o primogênito do Egito, veria o sinal nas casas do povo eleito e passaria reto. Dito e feito. E o Faraó, depois dessa, deu finalmente a liberdade aos judeus. Mesmo que depois tenha ido atrás deles no Mar Vermelho...
 
No sentido que damos à Páscoa no Brasil, descrito nos evangelhos do Novo Testamento, está o da crucificação e ressurreição de Jesus em Jerusalém, ocorrida justamente durante essa comemoração do povo judeu, agora sob o domínio romano. Na última ceia, hoje denominada “Santa Ceia”, Jesus ofereceu pão e vinho aos seus doze apóstolos.
 
Logo, não ouvimos falar de peixe, coelho e chocolate em nenhuma referência bíblica sobre a Páscoa, mesmo o primeiro sendo um alimento comum daquele período e os apóstolos sendo pescadores. Esses símbolos foram agregados com o tempo. O peixe virou uma alternativa à abstinência de carne na Sexta-Feira Santa, entendida como penitência. Assim surgiu a tradição do peixe na Semana Santa. E o seu comércio.
 
Numa esclarecedora entrevista ao jornal Zero Hora em abril de 2005, o arcebispo de Porto Alegre dom Dadeus Grings esclareceu a questão: “O peixe sempre foi uma coisa livre, mas acabou virando hábito fazer um banquete de peixe, que era exatamente o contrário do que se queria, uma coisa mais sóbria. O sentido se perdeu. Essa foi uma das razões de sugerirmos outros tipos de penitência. O mundo e os costumes mudaram. Antigamente, comer e beber estavam entre as maiores satisfações, então se fazia abstinência nessa área. Agora há outras diversões, e é nelas que deve estar a penitência.”
 
Nada contra peixes, coelhos e os ovos de chocolate, mas assim como os acessórios não são mais importantes que a roupa, apenas a destacam, algumas simbologias agregadas à Páscoa não deveriam sobrepujar seu sentido primeiro, ou seja, a vida, o exemplo e a palavra de Jesus Cristo. “Jesus perguntou: ’De quem é a figura e a inscrição que está nessa moeda?’ Eles responderam: ‘É de César.’ Então Jesus disse: ‘Pois devolvam a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.’ E eles ficaram admirados com Jesus” (Marcos, 12-17)

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 12/04/2022
Alterado em 12/04/2022
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