Foto: José Alfredo Duarte / Férias.tur
Charqueadas 40 anos: Carolino e a bela gota d'água
Ontem vimos que, embora comemore poeticamente seu aniversário dia 28 de março - a data de sua "concepção" democrática plebiscitária -, Charqueadas "nasceu" de verdade dia 28 de abril de 1982, pelas mãos e caneta do governador Amaral de Souza, o "parteiro" (ver link o final desse texto). Hoje veremos quem são os "pais da criança" e como foi o "namoro", que teve até "briga por mulher", "noivado" interrompido e tentativa de "pulada de cerca" antes do "divórcio" em definitivo Essa emancipação foi do balacobaco!
O "casamento" com São Jerônimo já vinha ruim por N motivos, como relata o historiador e jornalista Saldino Pires na página 127 de sua Monografia Charqueadas (1986). A vontade do "divórcio" era latente, mas, como cantava Tim Maia, o povo charqueadense pedia "me dê motivo, pra ir embora, estou vendo a hora". E este veio durante a escolha da Rainha da Festa do Carvão, realizada no Clube Tiradentes (foto acima, da década de 2010, antes da reforma do prédio e do corte da seringueira do supermercado). A beldade representante de Charqueadas era a jovem Eneida Ferreira. Para comprovar sua beleza ímpar, tome-se por base os testemunhos insuspeitos das mulheres da época, hoje idosas: "Ah, ela era linda, mesmo"! Pois então, mas quem ganhou foi Jane Galvão (não sei nada sobre ela para comparar), a representante de... São Jerônimo! Foi a bela gota d'água que faltava para o rio Jacuí transbordar de indignação e inundar as ruas do distrito com o espírito separatista, principalmente da parte dos jovens estudantes da cidade... Estava coberto de razão Zé Ramalho ao cantar: "Se não fosse a mulher, mimosa flor, a história seria mentirosa."
Aqui entra a figura baixinha do vereador (2) Carolino Euzébio Nunes (3), um gigante no galanteio para o "namoro" emancipacionista. Edil em São Jerônimo, mas eleito pelo povo charqueadense, o parlamentar tomou para si as dores, indignações e anseios da população: renunciou ao mandato e criou a primeira Comissão Pró-emancipação, em 1966, presidida por ele e composta também por Silmar Berbigier, Orlando Pompeu Matos, Vespúcio de Oliveira Gomes, Zélia Pires, Ister Gonzales de Souza (mãe de José Manoel Gonzales de Souza, que seria prefeito de São Jetônimo e de Charqueadas) e Sara Maria Peres. Todavia, o "noivado" gorou devido à Lei Complementar nº1 de 9/11/1967, que tirava dos estados e remetia para a União a iniciativa de criar novos municípios.
O intrépido e persistente Carolino, todavia, manteve a chama da causa acesa até agosto de 1971. Foi muito criticado na sede, pois, ao renunciar durante uma tensa reunião no mesmo Clube Tiradentes, onde o prefeito Antônio José Archer se sentiu ofendido e se retirou, foi "tachado de agitador, por seu pronunciamento, e de covarde, por sua renúncia" (Pires, 1986, p. 128). Contudo, sua atividade foi tão importante para a emancipação que a segunda comissão, formada em 1979, citou seu nome e o do vereador Osvino da Rosa Cruz (4) como "os dois grandes batalhadores pela emancipação de Charqueadas", em homenagem póstuma em sua primeira ata.
O trabalho dos precursores deixou sementes e o "namoro" continuou. Em 16 de outubro de 1979 foi formada a Comissão Central Pró-Emancipação de Charqueadas, presidida por Silmar Berbiger e composta por Jairo Dornelles (1º vice), Aldo "Baratão" Moreira (2º vice, futuro prefeito da cidade), Pedro Rech (1º secretário), Nelson Grings (2º secretário), Newton Berbigier (1º tesoureiro) e Anápio Ferreira (2º tesoureiro, irmão de Eneida Ferreira e futuro prefeito da cidade por dois mandatos), tendo por conselheiros fiscais Celso Kassick, Newton Burity, Gilberto Yung, Saldino Pires, Libório Bastiani, Luiz Carlos Prates e Élbio "Binho" Schonhofer (futuro vereador de Charqueadas).
Esses foram os "pais da criança", como veremos amanhã, num caso em que tivemos até tentativa de "pulada de cerca" antes do "divórcio"...
Notas:
(1) - Carolino Nunes foi eleito vereador em 1963, mas não existe, no TRE-RS, registros dessas eleições e das eleições presidenciais de 1960. Das 150 cidades gaúchas da época, apenas cinco (Casca, Caxias do Sul, Iraí, Marau e Tapejara) possuem os boletins de urna, conforme a matéria "Duas eleições não têm registro na Justiça gaúcha", da jornalista Fernanda Nascimento no Jornal do Comércio. Atente-se para o fato de que esses pleitos foram os imediatamente anteriores à Ditadura Militar iniciada em 1964...
(2) - Carolino Nunes chefiava a unidade local da empresa mineradora Caden e nomeava uma escola técnica cenecista em Charqueadas, que encerrou atividades em maio de 2020. Perdeu o filho único ainda jovem, por afogamento, e se suicidou em 15 de maio de 1977, após a morte da esposa.
(3) - Como não há registro das eleições de 1963, não pude apurar se o eletricitário Osvino Cruz foi colega de bancada de Carolino Nunes na década de 1960. Em 1972, consta no TRE-RS como vereador eleito para o legislativo jeronimense pela Arena, com 296 votos. Seu nome só é citado no livro Charqueadas 30 anos (Veit, 2012, p.12) e na Monografia Charqueadas (Pires, 1986, p.132) não nomeia rua, avenida, praça ou escola em Charqueadas. Agradeço ao historiador Saldino Pires pelas valiosas informações, via contato telefônico, a respeito do senhor Osvino. Aliás, nada se encontra sobre este e o senhor Carolino Nunes no Google.
Fontes:
PIRES, Saldino. Histórias do povo de Charqueadas – um patrimônio ainda desconhecido. Barra do Ribeiro: Naibert, 2012.
PIRES, Saldino. Monografia Charqueadas: sua origem, sua história, sua gente. Charqueadas: Folha Mineira, 1986.
VEIT, Benedito. Charqueadas 30 anos (1982 – 2012), fatos e fotos. São Jerônimo: Info Gráficas, 2012.
VEIT, Benedito. Diário de Charqueadas. São Jerônimo: Info Gráfica, 2011.
VEIT, Benedito. Por que Charqueadas? São Jerônimo: Gráfica PBS, 2008.
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