"A guerra é uma doença"

Dia desses de tempo firme admirava a tarde ensolarada de céu azul, sentado numa cadeira de praia, sobre um vasto gramado. Coisa boa estar vivo e com saúde num dia desses, pensei. Aliás, sempre penso isso em momentos assim, é a minha forma de orar e agradecer a Deus por tal dádiva.

Absorto em divagações, imaginei como estariam, naquele momento, soldados russos e ucranianos... É inverno no Hemisfério Norte. Que hora seria lá? São cinco horas de fuso horário, estariam já pelo início da noite. Teria sido um dia de sol?  Bonito como esse? Ah, a paz. Eu, de boa, admirando o céu azul e, acima e do outro lado do mundo, algum jovem poderia ter visto o sol pela última vez ou não o veria no dia seguinte. Ah, a guerra. Maldita guerra! Malditas todas as guerras do passado, do presente e do futuro. 

Piloto de Guerra (1942) é um livro muito bom de Antoine de Saint-Exupéry, o escritor francês famoso por ser o autor de O Pequeno Príncipe. Em Piloto de Guerra, na página 68 da edição que possuo (Companhia das Letras, 2015), Exupéry escreve que a guerra é uma doença. Ele foi um pioneiro, um aviador do correio postal francês, viajando pelo mundo, desbravando-o sobre asas. Durante a guerra, serviu na aeronáutica de sua pátria. O livro retrata o momento inicial da invasão alemã da França e a debacle do país, devastado e subjugado pelo poderio do exército nazista em fulminante avanço. Uma obra, creio, fundamental para se entender a extrema brutalidade que é uma guerra para a população de um país, de como ela é desestruturante para a vida organizada em sociedade no tempo e no espaço, além de ser uma doença a semear a morte.

Ironizando qualquer glamour que se poderia ver num conflito armado de grandes proporções, Exupéry escreve: "A aventura de guerra? Onde há aventura de guerra? (...). Vivi outrora aventuras: a criação das linhas postais, a dissidência saariana, a América do Sul... Mas a guerra não é uma verdadeira aventura, é só uma imitação de aventura. A aventura se baseia na riqueza das ligações que estabelece, dos problemas que coloca, das criações que suscita. Não basta, para transformar em aventura, o simples jogo de cara ou coroa para apostar-se a vida ou a morte. A guerra não é uma aventura. A guerra é uma doença. Como o tifo". Como o tifo e como a covid-19. IIª Guerra Mundial, Guerra da Ucrânia, Guerra...

Voltei o pensar para o meu gramado e seu lindo céu azul. Esse momento sim, uma verdadeira aventura de vida, assim como a de Exupéry em seu quarto em Orconte - leia o livro para entender o motivo da referência, realize uma aventura literária. A vida é bela, como no filme aquele. A guerra é uma doença que a gente pega porque ou a escolhe, ou ajuda a escolher ou se omite ante a escolha.