João Adolfo Guerreiro
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Quarta-feira de cinzas amarelas

 

Acordei ouvindo o choro da criança no quarto, rompendo o silêncio da aurora que, ainda tênue, recém iniciava. Não havia ressaca da noite anterior de feriado de Carnaval, eis que a pandemia silenciou os surdos das escolas de samba.

 

Na TV, pandemia e guerra. Crianças igualmente claras, de olhos azuis e cabelos amarelos, deviam estar chorando no mesmo momento no Hemisfério Norte, acima e do outro lado do planeta, quem sabe com os ouvidos surdos devido as explosões das bombas e mísseis. Quarta-feira de Cinzas sem cinzas, pois sem Carnaval, pelo segundo ano consecutivo. Sem Carnaval, mas com aglomerações nas praias, torcedores violentos em estádios de futebol e, a partir de hoje, crianças não vacinadas em sala de aula e sem a obrigatoriedade de usar máscara - pelo menos aqui no Rio Grande do Sul. Sem máscaras de Carnaval, sem máscara nas escolas: triste coerência.

 

Pandemia e guerra: mortes. No Brasil, na Quarta-feira de Cinzas de 2021, eram 240 mil; até ontem, somavam 650 mil. As da guerra, ainda não se sabe, eis que nela a verdade é a primeira vítima alvejada. A criança no quarto mamava, sendo saciada. E as outras? Ainda choravam? Suas mães, como estavam? Mortas? Desesperadas? Enlouquecidas? Humanidade alucinada, doidona. A guerra é uma escolha, uma "bad trip" ocasionada por um ácido ruim, oriundo de um cogumelo venenoso, amarelo. O mundo está dopado por um chá de cogumelos amarelos. O mundo em guerra está surdo para o choro das crianças brancas de olhos azuis e cabelos amarelos. Os surdos silenciaram no feriado e as máscaras ficaram e ficarão nos armários. Bad trip, very bad trip.

 

Todavia, existem as vacinas, os que combatem contra a guerra, os que escutam o choro das crianças, os pais que colocam máscaras nos filhos e em 2023, Deus queira, os surdos marcarão o compasso nas baterias pelas avenidas do Brasil, celebrando a vida e a alegria. A promessa de vida, logo, não jaz envilecida, pois a vida insiste e permanece. 

 

Esta é uma mera quarta-feira de cinzas amarelas, dos cogumelos dos doidões da bad trip. Mas, salve o mundo e a humanidade, nem todos viajam com os cogumelos amarelos daquela canção de 1986 da banda gaúcha Os Eles (*) que está no disco que roda na vitrola, musicando um poema do Carlos Drummond:

 

"Sente raiva do passado
que o mantém acorrentado.
Sente raiva da corrente
a puxá-lo para a frente
e a fazer do seu futuro
o retorno ao chão escuro
onde jaz envilecida
certa promessa de vida
de onde brotam cogumelos
venenosos, amarelos,
e encaracoladas lesmas
deglutindo-se a si mesmas."

 

 

Nota:

 You Tube - A corrente (Os Eles)

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 02/03/2022
Alterado em 02/03/2022
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